Entrevista – Talles Lopes, a Abrafin e os festivais

Talles Lopes

Falando em relevância do Abril Pro Rock, aproveitamos para levantar a questão sobre a relevância dos festivais. Ainda cabe espaço para eles? Eles ainda cumprem um papel importante? Esses dias twitamos sobre como os festivais independentes brasileiros haviam dado uma sumida da pauta da mídia musical no Brasil. De imediato tivemos alguns retornos. Entre alguns comentários discordantes, Talles Lopes, novo presidente da Associação Brasileira dos Festivais Independentes (Abrafin), nos procurou para dar sua opinião. Fundador do festival Jambolada, que acontece em Uberlandia-MG, Talles também foi durante muito tempo produtor da banda Porcas Borboletas. Ele contou das mudanças na entidade que preside e de como pretende ampliar e melhorar as ações. Depois de vermos três bons festivais da Abrafin acontecerem nesse começo de ano, El Mapa de Todos, Abril Pro Rock e 10 Primeiro Campeonato Mineiro de Surf, além de outros fora da entidade (veja o que já rolou esse ano), os festivais começam a mostrar sua cara e soltar suas programações dae edições 2011, além da aprovação de alguns deles em importantes editais (como o da Petrobras, que incluiu Goiânia Noise, Coquetel Molotov, DoSol, Se Rasgum, Varadouro, Quebramar, entre outros). O papo pela internet acabou rendendo uma entrevista esclarecedora que vocês podem ler abaixo.

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E ai os festivais tem importância?

Talles Lopes: Sem dúvida nenhuma. Acredito que cada vez mais a plataforma dos festivais independentes ocupa um papel mais importante dentro da conjuntura da musica brasileira, e o seu desenvolvimento e crescimento tem sido fundamentais para a oxigenação de rotas de circulação e trocas de experiências entre os diversos agentes da cadeia produtiva da música no país. Uma prova desta relevância é o destaque cada vez maior que tanto a iniciativa privada quanto o poder público vem dando a plataforma dos festivais.

el Cabong: O que sinto às vezes é que o Fora do Eixo, que acho que tem muito de positivo, engoliu os festivais. Mas como disse, pode ser uma sensação. Porque vejo agora todo mundo falando muito de políticas públicas, criticando o Ministério, ou sei lá mais o que e vejo menos se falando de música, dos festivais.

Talles Lopes: Na verdade o que está acontecendo é que estamos passando por uma transição inédita na entidade, com a mudança da presidência pela primeira vez e também com a transferência da sede para São Paulo. Neste sentido, estes primeiros 3 meses da nova gestão, os chamados 100 primeiros dias de governo, foram voltados para esta transição burocrática e para que pudéssemos arrumar a casa, justamente pra adequar a uma nova perspectiva de trabalho que quer radicar no entendimento da entidade como uma entidade de classe.

el Cabong: Eu fico receoso que a articulação política se sobreponha às iniciativas mais concretas.

Talles Lopes: Por isso tô me dedicando à uma série de mapeamentos dentro dos festivais pra gente ter justamente isso, um conjunto de ações concretas. Uma dessas ações que já esta pra sair é o novo site, já que hoje não temos um canal de comunicação vivo dos festivais, que fale justamente de música. Devemos lançar já agora em maio. Outra coisa é que estamos fazendo encontros regionais, fizemos um no Porto Musical da região Nordeste e vamos fazer outro agora no el Mapa de Todos. Só que como não temos este veículo de comunicação isso se perde.

el Cabong: Sinto falta daquele calendário com as datas dos festivais, por exemplo. É algo que ajuda a gente perceber os festivais durante o ano.

Talles Lopes: No lançamento do site teremos também o lançamento do calendário. O silencio neste momento, acabou sendo um pouco tático também, porque preciso dar uma desintoxicada justamente neste forte campo político que a última gestão passou e preciso também construir uma unidade interna que estava comprometida também.

el Cabong: E como vocês estão encarando esses festivais bancados por grandes empresas, com atrações internacionais? Atrapalham?

Talles Lopes: Cara, eu acho que não. Uma das diretrizes que temos agora nesta nova gestão é inclusive ampliar o diálogo com eles, independente de serem ou não filiados.

el Cabong: Uma sensação que existe é que os festivais deixaram de ser independentes e ficaram excessivamente dependentes do governo e de editais. Como vê isso?

Talles Lopes
Psycho Carnival, em Curitiba

Talles Lopes: Na verdade, o que eu acho que aconteceu foi um ganho em estrutura e organização justamente com a ampliação de recursos públicos, mas não acredito q isso tenha atrapalhado a independência. Acabei de participar do Psycho Carnival em Curitiba, durante o Carnaval, que é um festival com custo superior a R$ 100 mil e que não teve um real de apoio público e que aconteceu de forma totalmente independente. Vários festivais da entidade não têm apoio público, mas como a plataforma dos festivais foi mais visualizada e se transformou em política pública pra alguns estados e pro governo federal em certa medida, isso acabou chamando mais a atenção. Mas se pegarmos o nascimento da Abrafin em 2005, onde tínhamos apenas 16 festivais filiados, 80% deles contava com apoio do poder público e de empresas já, como eram os casos do Porão do Rock, Abril Pro-rock, Eletronica, Goiania Noise, Calango, Varadouro, Jambolada, Bananada. O Campeonato Mineiro de Surf teve na última edição um apoio do poder publico mineiro através da lei de incentivo, foi massa, levou grandes artistas que talvez não iriam, mas pra esta edição não tem, e continua acontecendo, inclusive com mais força tendo na escalação um artista como o The Jordans, que é a maior referência dentro do segmento que ele representa. Qualquer tipo de ramo da economia só se desenvolve com incentivos estatais, foi assim com a industria automobilística, têxtil, é assim com o agricultura e pecuária, e foi assim inclusive com a grande indústria cultural também, como as gravadoras e os grandes veículos de comunicação. A conquista destes recursos não alterou as curadorias, ao contrário deu condições para que possamos qualificar os festivais, e atacar outros pontos complexos, como o pagamento dos cachês para os artistas, que foi muito discutido nos últimos anos, e hoje grande parte dos festivais remuneram suas atrações graças a este maior apoio. Inclusive foi uma exigência da própria Abrafin que os editais da Petrobras e da Funarte exigissem que os festivais remunerassem todos os artistas.

el Cabong: Há pessoas no meio artístico com opiniões assim ainda: “Independente agora pra mim cada vez mais é sinônimo de politicagem. Geral achando que tocar de graça no Amapá é a saída…” como mudar essa imagem?

Talles Lopes: Acredito que para mudarmos isso precisamos qualificar o debate em torno do momento da Música Brasileira, e radicalizar num processo de qualificação das plataformas. É isso que queremos fazer com a Abrafin agora, ter um foco cada vez mais claro nos festivais independentes, e em como podemos trabalhar para que eles se qualifiquem, e isso passa por um trabalho grande de construção política, para que o investimento nos festivais seja entendido como uma política pública, mas principalmente para que possamos construir e fomentar um mercado independente no Brasil. Acredito que avançamos bastante na pauta política nos últimos anos, e neste momento estamos bastante concentrados dentro da entidade em qualificar o debate sobre esta criação de um mercado, estudando diversas formas de fazer isso via a entidade. Exemplo, estamos desenvolvendo um mapeamento de serviços, como passagens aéreas, para que possamos ter negociações coletivas dentro da entidade, estamos fechando uma parceria com uma empresa que vai emitir bilhetes eletrônicos para todos os festivais. Estamos fechando uma parceria com a ARPUB, Associação das Rádios Públicas, para que os festivais ganhem mais espaço nas programações destas rádios e assim possamos ampliar o processo de formação de público, e diversas outras ações vem sendo gestadas e pensadas como forma de potencializarmos este mercado, numa busca cada vez maior desta chamada independência.

el Cabong: Ai entram dois pontos que queria tocar: 1 – É uma reclamação recorrente de uma parte dos artistas, que é quanto a questão financeira. Questionam que em muitos festivais todo mundo ganha, o técnico, o cara do som, o cara da segurança, quem faz o festival e o artista nem sempre, muitas vezes ele se banca para tocar. Mesmo festivais já veteranos ainda não custeiam tudo dos artistas ou não pagam os cachês. Claro que existem artistas de diferentes tamanhos e experiências, mas isso é algo que incomoda a Abrafin?

Talles Lopes
Festival South by Southwest – SXSW 2011

Talles Lopes: Com certeza é algo que nos incomoda, mesmo a Abrafin tendo uma principio claro que é o respeito a autonomia de cada festival. Como eu disse a gente não pode analisar isso sem fazer uma reflexão histórica. Não estamos falando de um contexto onde todos os artistas brasileiros recebiam pra tocar em qualquer lugar, e de repente surge uma associação e os festivais param de pagar os cachês. Na verdade, eram pouquíssimos os espaços para os artistas autorais se apresentarem, e nestes pouquíssimos espaços a remuneração também era incipiente. Com a Abrafin, num primeiro momento tivemos que enfrentar o desafio de melhorar estas estruturas e potencializar estes espaços para que o músico autoral brasileiro pudesse ter condições de se apresentar, sem precisar enfrentar o enorme filtro das grandes gravadoras que era o que gerava o artista que recebia cachê porque tinha público. Neste contexto, onde os festivais tinham muito pouco apoio público, e o mercado ainda era super incipiente, muitos festivais tinham ainda poucas condições e acabam entendendo que o processo de formação de público era sem dúvida uma contrapartida interessante que eles poderiam trabalhar. Ninguém reclama que o SXSW não paga passagens e hospedagem, que a WOMEX não oferece nada além do palco, ou seja, existe primeiro um desconhecimento histórico deste processo de construção do mercado independente no Brasil, e ao mesmo tempo um desconhecimento do mercado internacional de festivais que acabam gerando estas distorções de avaliação. E se você for avaliar também, a maioria dos artistas que reclamam não são os que se apresentam sem receber, mas justamente aqueles ou que não aceitam o convite, ou que não são convidados, e muitos deles na verdade, tocam e recebem, mas encontram neste argumento um suporte para a desqualificação de um trabalho, e assim não terem que refletir e entender todo este contexto que foi colocado.

el Cabong: E outras questão é justamente em relação às rádios. Muito boa a parceira com a Arpub, mas as rádios públicas são minoria, não são as de maiores audiências. A sensação é que as novas gerações de artistas viraram as costas para as rádios, com razão ou não, seja por jabá, seja pela limitação delas. Mas as rádios ainda são onde a maioria da população ouve música (isso é pesquisa), como a Abrafin e o mercado independente pensa isso e o que está sendo feito?

Talles Lopes: Sem dúvida, ainda é evidente a força que as rádios tem, e acreditamos ser muito importante ativarmos esta plataforma para que ela consiga dar conta da diversidade musical brasileira. A aproximação inicial com as rádios públicas se deu por uma questão prática, já q temos condições de estabelecer um dialogo entre entidades, e por vocação estas rádios públicas tem que dar conta desta diversidade, e assim fica mais fácil uma construção conjunta. Em relação as rádios comerciais, sabemos que trata-se de uma questão bem mais complexa, pelo fato delas não terem necessariamente a vocação democrática, e sim a busca do lucro, como qualquer empresa privada. Contudo, acredito que o processo de qualificação das plataformas para a Música Independente, pode levar a um processo de formação de platéia e posicionamento de alguns artistas que podem abrir campo para este dialogo mais efetivo. Além disso, é fundamental que construamos bons projetos comerciais vinculados a este conteúdo independente e a partir disso possamos partir para uma negociação mais qualificada com este setor privado. Estamos estimulando dentro da entidade um debate sobre as rádios para que cada festival possa localmente desenvolver o seu projeto e buscar as rádios locais, para termos um campo de trabalho também descentralizado, já q não temos nenhuma associação nacional de rádios comerciais aberta neste momento para este dialogo.

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