Entrevista Metá Metá: a música, a origem e o futuro

Formado a partir de diferentes experiências de Thiago França, Juçara Marçal e Kiko Dinucci, o Metá Metá se tornou um dos nomes mais aclamados dos últimos anos na música brasileira, pelo menos daquela fora do grande mercado. Com dois discos lançados ‘Metá Metá’ (2011) e ‘MetaL MetaL’ (2012), o grupo paulista, que mescla sonoridades de música brasileira e africana com outras influências, apresentou-se pela primeira vez na Bahia na última semana, com shows em Cachoeira e Salvador. Em um papo à vontade, de quase uma hora, no Lalá Multiespaço, onde o grupo faria dois shows seguidos e com casa cheia horas mais tarde, o el Cabong conversou com Kiko Dinucci. Responsável pelos violões, algumas vozes e composições do grupo, ele fala sobre as origens do Metá Metá, os seus discos, o mercado para artistas novos, como anda a música brasileira atual e os planos do grupo.

el Cabong: Queria que você começasse contando como foi que surgiu o Metá Metá, porque cada um vinha de uma coisa diferente, né? Como aconteceu?
Kiko Dinucci: Eu já fazia um show com a Juçara Marçal chamado ‘Padê’ e a banda que nos acompanhava tinha outros compromissos,então a gente resolveu pensar em algo diferente. Eu já havia conhecido o Thiago França, já havia tocado com ele na noite, e sugeri para a Juçara “Vamos chamar o Thiago? Na falta de percussão e contrabaixo, vamos chamar um saxofonista, que vai ‘obrigar’ a gente a tocar de um outro jeito, pensar numa outra história” e a gente marcou esse show com o Thiago. Foi muito interessante, as pessoas sacaram que tinha uma coisa nova que não era a mesma coisa do disco ‘Padê’ e a gente também ficou impressionado com o resultado e logo depois do show começamos a pensar “pô, e se montasse um projeto dos três?”. E, assim, uma semana depois, já me veio o nome na cabeça, Metá Metá: Metá em Iorubá é três, e aí Metá Metá nesse sentido de ser três ao mesmo tempo. Uma semana depois, a gente já tinha um nome e uma demo, que ficou legal: até hoje ninguém nunca ouviu essa demo, talvez um dia a gente lance. Começamos a tocar esse projeto e, de 2008 pra 2009, fizemos alguns shows e começamos a pensar nesses repertórios, mas com arranjos mais compactos e econômicos. Começou a tocar num lugar que a gente toca até hoje, que é a Casa de Francisca, que é pequeno também, não havia espaço para tambor e a gente começou a pensar muito nesses arranjos econômicos, com muitos contra-pontos, pausas, silêncios. As canções na voz da Juçara ganhavam força porque não fazíamos um acompanhamento da canção, mas uma cama, uma teia de melodias. Começou como um projeto que mostrava a canção de uma nova maneira, fizemos vários shows e só começamos a gravar o primeiro disco em 2011. Passamos dois anos tocando assim, uma vez por mês, levantando repertório e vendo o jeito que funcionava. Assim aconteceu o Metá Metá, sem a gente perceber muito.

E: Vocês vêm de cenas diferentes um do outro, como foi essa coisa da música afro chegar até vocês?
K: Eu já tinha isso no ‘Padê’, o primeiro disco que eu gravei com a Juçara, a gente já abordava o tema

E: Mas como chegou? Como essa informação alcançou vocês?>

“Comecei a me interessar e pesquisar isso musicalmente e vi que se tratava de uma estrutura muito complexa. Não dá pra entender a música sem entender o orixá, sem entender o que ele comia, o que ele vestia, o que ele dançava”

K: Primeiro eu era um sambista e queria vasculhar o samba, com a certeza absoluta que o samba vinha das macumbas e sentia que ele escondia isso. O samba estava meio que evangélico demais, meio duro, meio europeu. Eu comecei a entrar nas entranhas do samba. Quando você começa a ir atrás da Clementina de Jesus, do Candeia, desse pessoal, vai começar a notar que eles começaram a botar à tona um lado mais obscuro do samba, que vem ou do samba da Bahia, que está mais ligado aos terreiros, ou o samba do Rio de Janeiro, que é um samba ligado à casa da Tia Ciata, onde haviam rituais afro-religiosos e com aquela turma toda: Pixinguinha, Donga, João da Baiana, esses caras que começaram o samba e tinha mesmo a presença das religiões africanas. Comecei a me interessar e pesquisar isso musicalmente e vi que se tratava de uma estrutura muito complexa. Não dá pra entender a música sem entender o orixá, sem entender o que ele comia, o que ele vestia, o que ele dançava, então eu, naturalmente, comecei a pesquisar isso sozinho. Na época, eu nem conhecia o Thiago, conhecia pouco a Juçara e quando eu comecei a tocar com ela, eu tava fazendo um documentário sobre Exú, chamado ‘Dança das Cabaças e o Exú no Brasil’, que está na rede até hoje. E fazendo esse documentário eu estava ‘impregnado’ de informação. Era o projeto da minha vida na época e lógico que isso começou a afetar a música. A partir daí, foi bem o momento em que eu estava fazendo o ‘Padê’ com a Juçara e ela já tinha uma experiência ligada aos terreiros também, por conta do grupo em que ela tocava, A Barca. Quando eu conheci o Thiago, ele tinha me visto tocar num espaço chamado Ó do Borogodó, em São Paulo, em que rolava samba e toda quarta-feira eu tocava com o meu grupo, o Bando Afromacarrônico. Thiago apareceu um dia, tocou macumba e começou a conversar e falar “ah, eu frequento também o Candomblé Angola”. Quando eu chamei ele pra participar desse show do Padê, havia essa ligação de ser três pessoas que tinham certa vivência na religião e acho que é por isso que deu certo. Cada um de nós já havia vivido essa linguagem da afro-religiosidade e aí já tava começando a aparecer na nossa arte de uma maneira espontânea.

E: Mas vocês frequentam a religião?
K: Todo mundo já frequentava. Eu com o filme acabei parando numa casa e nunca mais saí. A gente até separa essas influências africanas, porque tem a coisa da afro-religiosidade, que é presente na música, mas tem muita coisa africana que a gente absorve que não tem nada a ver com o candomblé, tem a ver com outras coisas, até pop africano.

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E: E como é a questão da composição, como é o processo de vocês?
K: Eu sempre levei composições no violão. Levo essas composições e começamos a pensar nós três, um faz uma frase, o outro responde, a Juçara já começa a cantar encaixando aquelas frases. A gente começa a criar arranjos, mas sem escrever nada e sem estipular nada, tocando muito a música, quase não abre a boca, e na hora que todo mundo está feliz com suas coisinhas que tão saindo ali, a gente fecha o arranjo. Não só no Metá Metá é assim, mas em todos os projetos que eu faço parte o processo de criação é esse, é tocar, falar pouco. A gente pode ficar uma hora tocando uma canção até achar a forma, uma hora a gente bate o martelo e tá pronta.

E: Do primeiro para o segundo disco teve uma mudança, né? 
K: O primeiro disco é meio que dividido em dois, é quase como se houvesse um lado A e um lado B. No lado A tem poucas composições minhas, tem música do Siba, do Mauricio Pereira e a gente era muito focado na canção, no que a Juçara ia cantar. A gente fazia poucas notas, tudo muito econômico para que a voz se destacasse muito. A partir da metade do disco entrava uma banda que era formada por bateria e percussão, não tinha baixo, e na hora que entrava essa banda, entravam músicas mais pesadas, Oranian, Vias de Fato, Obá Iná, Ora Ie Ie O, e a gente já encarava isso como uma divisão dentro do disco. No show, entrava os três primeiro, fazia a versão mais intimista, depois chamava o percussionista e o baterista e descia o braço. Nessa época, a gente começava a brincar já, “agora ficou Metal Metal” porque ficou mais pesado e esse caminho de tocar mais pesado foi natural do final do primeiro disco. A gente vivia falando “pô, no próximo disco a gente podia dar um grau nesse barulho, fazer ele mais barulhento”. Tinham umas músicas que a gente já tocava ou testava na passagem de som e resolvemos fazer um disco com essas músicas com uma roupagem mais pesada, que tivesse bateria e baixo. Eu voltei a tocar guitarra nesse período e começamos a testar esse som mais porrada mesmo, como se fosse um rock, mas sem os clichês do rock, uma espécie de um rock sincopado, um punk sincopado. Começamos a testar isso aí e começou a funcionar, mas a mudança principal é que a canção já não era mais tão importante, mas a sonoridade. A sonoridade no primeiro disco vive em função da canção e no segundo já não tem muito isso, a canção ganha um grau mais secundário. A Juçara cantando no segundo disco está mais próxima dos instrumentos do que próxima da canção, ela tá mais como música do que como cantora, é o que eu vejo assim de mais gritante da diferença entre os dois discos.

E: Mesmo sem querer, você tem criado umas polêmicas. Eu estava lendo sua resposta (leia aqui) ao texto de Bruno Natal (leia aqui) e uma coisa que eu queria saber é se você acha que tem faltado esses debates abertos atualmente. Nessa nova geração a gente tem muita produção e pouca discussão?

“Tem jornalista que reclama que não acontece nada e simplesmente não sai de casa, não vai no buraco ali da esquina ver o que está acontecendo, se tem uma banda de uns moleques de 14 anos fazendo algo novo”

K: Sim, eu acho que entre os artistas e a crítica está faltando mais do que o debate, está faltando primeiro os jornalistas irem aos shows. Porque tem jornalista que reclama que não acontece nada e simplesmente não sai de casa, não vai no buraco ali da esquina ver o que está acontecendo, se tem uma banda de uns moleques de 14 anos fazendo algo novo. Eu sinto essa falta de interesse às vezes e a falta de conversa mesmo. Se eu fosse crítico, para decodificar aquele disco, aquele show, aquele objeto que eu vou criticar, eu gostaria de acumular informações ao máximo. Eu, por exemplo, escrevo sobre cinema. Se eu vou escrever sobre um filme, eu tento acumular o máximo de informação sobre a equipe, sobre quem fez, sobre o que o diretor pensou quando fez o filme, ou vou procurar entrevista do diretor, ou conversar diretamente com ele, “o que você pensou nisso daqui?”. Fazer uma espécie de uma entrevista para chegar num resultado crítico, para virar do avesso aquela obra que você tá analisando. O Metá Metá passou pela Europa no meio do ano e era isso, cada crítica, cada jornalista de uma revista ou de um jornal, eles marcavam com a gente num café e passavam uma hora conversando, perguntavam tudo que eles queriam saber. A gente falava, falava, falava e aí o cara escrevia uma crítica que nem era tão grande, mas ele falava com uma certa autoridade, porque ele buscava informação. No caso do texto do Bruno, que gerou polêmica esse mês, ele foi no show e simplesmente não falou comigo, nem depois do show e nem mandou nada. Se ele mandasse cinco perguntas sobre as dúvidas dele em relação a mim, eu teria respondido. Ele escreveu um texto sem informação, sem saber o que era o disco, sem saber o que o disco falava, citou letras ali que tinha entendido errado, nem é o que ele citou. Então eu me senti na responsabilidade de escrever uma resposta, ele botou um maniqueísmo ali, um conflito entre pop ou indie, pop ou música cabeçuda, sem referência, sabe? Soltando esses rótulos. Então eu decidi escrever um texto jornalístico, decidi ser jornalista por ele, escrever um texto jornalístico e buscar referências, pra falar de pop eu falei do Andy Warhol, pra falar de indie eu fui falar da Geffen correndo atrás do Nirvana. Era simples, se ele tivesse conversado um pouquinho comigo, as questões que ele levantou ali no texto usando meu nome, eu teria respondido com o maior prazer e ele teria uma matéria muito mais rica para o público do blog dele.

(O jornalista Bruno Natal postou em seu site outro texto analisando a repercussão do debate. Leia aqui e dê sua opinião)

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E: Em um trecho do texto, você fala assim: “eu já nasci falhado e sou um artista montado pela indústria”. É uma discussão que a gente não encontrou resposta ainda. Você acha que tem caminho nesse mercado atual? Porque com certeza a realidade de São Paulo é uma realidade muito diferente da nossa aqui, tem mais dinheiro circulando, tem mais empresas públicas ou SESC, aqui é muito mais difícil, mas sua ótica é importante. Você acha que tem esperança nesse mercado, que é uma promessa há um tempo, alguns nomes chegam um pouco mais e conseguem. Como é para você, que sobrevive de música, vê isso?
K: Sim, eu acho que cada estado vai ter uma realidade econômica para a sua arte. Analisando o meu caso, eu vim de Guarulhos, que é uma cidade suburbana e venho para São Paulo pra meter as caras. São Paulo, ao mesmo tempo que ela é grande, ela tem muito mais músicos, tem muito músico em São Paulo, muito músico tocando na noite. O tempo todo, onde você vai, tem gente com instrumento nas costas, então é onde circula a grana, a mídia, a visibilidade, mas de cara é o lugar da concorrência, é muito difícil você se destacar. O que eu fiz no meu caso? Eu gravei o ‘Padê’ e o ‘Afromacarrônico’ e tocava toda quarta-feira num espaço bem underground, bem pé no chão e com som ruim. Depois de um ano tocando lá, eu lancei o disco, o ‘Afromacarrônico’, que acabou circulando e tendo uma demanda, uma circulação. Entrou pra download em alguns blogs de música, a revista Mais Soma inclui numa compilação que saiu para o Brasil inteiro, e muita gente conheceu. Para meu espanto, começou a sair críticas sobre o disco, na Rolling Stone, e o fato de eu tocar toda quarta-feira no mesmo lugar despertava uma curiosidade também, quem baixava o disco ia lá assistir e ver qual era, se era mesmo o que tava no disco. Então toda quarta-feira ia gente curiosa querendo ver o que era o Bando Afromacarrônico, aí um dia ia o Curumim, aí outro dia os caras da Nação Zumbi, outro dia ia o Siba. Eu comecei a fazer amizade com músicos de uma determinada cena e isso tocando muito, tocando, tocando toda semana ali batendo o cartão. Fiquei cinco anos, toda quarta-feira ali tocando no Ó do Borogodó e foi a minha vitrine, a minha janela que eu achei ali na hora. Eu não procurei espaço no rádio, nem na MTV, até hoje eu não tenho nenhum clipe, a MTV acabou e eu continuei sem nenhum clipe e eu fui achando meus mecanismos de divulgação. Quando eu comecei a explorar o MySpace, eu lembro que foi muito determinante, era um site de relacionamento, só que ligado à arte, à musica, então a gente podia vasculhar artistas do Brasil inteiro ou do mundo inteiro, da África, fazer contato via inbox. Pelo MySpace eu comecei a ver que tinha muito gente próxima fazendo coisa legal, me deu uma visibilidade que eu não tinha lá em São Paulo. O My Space foi importante, o Orkut tava bombando também nesse momento, então eu usava o Orkut pra divulgar os shows, usei o Orkut pra divulgar meu filme de Exu. Nessa época dava muito resultado, começou a proliferar, e daí eu comecei a sacar que internet era o nosso principal meio. Nessa época a gente tocava uma vez por ano no Sesc. O Sesc tem problema comigo porque eu tenho vários projetos, se eu lanço disco do Metá Metá e do Passo Torto no mesmo ano, eu toco em uma unidade, e daí quando eu vou tocar com a outra banda, eles falam “Não, você tocou aqui no mês passado” daí eu falo “Mas é um outro disco”, e eles falam “Ah não, é o Kiko”. Então lá em São Paulo tem o apoio do Sesc, os artistas que conseguem algum destaque, artistas que produzem discos e tem uma certa circulação, tocam bastante desse material, acabam conseguindo marcar show no Sesc, não é toda hora, não é um negocio que o Sesc vai te sustentar todo mês.

E: Na sua opinião, essa geração está conseguindo encontrar esses caminhos?
K: Está. Eu acho que tem espaços, a gente consegue ver. Quando a gente vem pra outro estado, aqui não tem um respaldo econômico imenso. Não é o cachê que a gente cobra normalmente, a gente vem porque tem que fazer o negócio e vem ganhando menos e faz uma certa parceria e com assim, que é pra fazer o negócio acontecer, que é pra plantar, pra fazer a coisa acontecer. A gente vai pra vários estados dessa maneira, ganhando pouco. Teve um show esse mês num Sesc que todo mundo ganhou legal, a gente vai fazer mais dezoito shows que todo mundo vai ganhar mal. Essa é a realidade.

E: Você acha que essa geração tem essa mentalidade?

“Acho que cada artista que trabalha fora do esquemão, da máquina, da cultura de massa, tem que achar seu próprio caminho”

K: Eu acho que é muito diferente, entre um estado e outro. Quando eu falo de geração eu estou falando de São Paulo, o jeito que eu enxergo lá. São Paulo sempre teve essa coisa de tocar em bar, de tocar em buraco. É uma coisa que vem desde o punk, que vem desde o hip hop, de um monte de coisa que veio antes da gente, de mostrar dentro de espaços underground. Isso não se vê em Recife, pelo menos, se você chega lá em Recife hoje e quer ver um show de uma banda nova num boteco, não tem boteco com uma banda nova. Todo mundo vai gravar seu disco financiado pela Fundarpe e vai ter que ter o apoio do governo. Em Salvador eu vejo um nicho de artistas que também sobrevivem de uma nata governamental, tem shows com cachês altos pelo governo. Em Belém eu vejo o governo botando força pra exportar os seus artistas pra outros estados. Em São Paulo é engraçado que eu não vejo esse apoio do Governo, tem o Sesc, talvez o governo de São Paulo seja o Sesc. Lugar bom, com um teatro bom, que vai ter pagar um cachê bom, mas a gente não pode esperar que só o Sesc seja o caminho, senão vai se ferrar. Eu acho que com a internet, com essa coisa do download gratuito, deu mais independência pra os artistas no Brasil inteiro mesmo. Acredito que minha música chegue a outros estados por esse acesso também. O Metá Metá já criou uma certa economia com essa coisa do download gratuito. Muita gente é contra, muito artista ainda acha que prejudica disponibilizar música na internet, pra gente é o nosso principal veículo de mídia. Num primeiro momento a gente lança o disco na internet e as pessoas baixam. Nunca fazemos o show do disco uma semana depois de lançar na internet, deixamos uns três meses rodando na internet e quando a gente vai fazer o show de lançamento lota porque já tem aquela novidade do disco, todo mundo já baixou, todo mundo sabe cantar as músicas, as pessoas vão pra o show, cantam as músicas e na saída nos falamos “tá vendendo o disco na saída por dez reais” e o pessoal vai lá e compra. É onde a gente empata: se a gente não ganha dinheiro na distribuição na internet do disco, a gente tem a possibilidade de ganhar no cachê do show e vendendo os produtos nossos, a camiseta, os CDs, e isso gera uma economia própria nossa. Às vezes a gente vai fazer um show que não vai dar uma renda de cachê, mas de repente o show enche e a gente vende muitos CDs, e consegue compensar essa diferença de dinheiro que a gente não ganhou no cachê. A gravação do Metá Metá foi assim, foi dinheiro de CD vendido a dez reais. Agora, não tem regra, nem lá em São Paulo. Não adianta falar que a realidade de São Paulo é essa, não é, foi um caminho que a gente achou. Acho que cada artista que trabalha fora do esquemão, da máquina, da cultura de massa, tem que achar seu próprio caminho. Eu não consigo nem dar conselhos do tipo “siga os passos do Metá”, não dá, o cara vai ter que quebrar a cara umas quinhentas vezes assim como a gente quebrou, comer muita poeira. Não existe fórmula pra nada nesse mundo. Não adianta eu falar pra o meu filho “Filho, você tá entrando na adolescência e falar que é assim que faz sexo”, anotar em um papel. Não dá, ele vai descobrir do jeito dele.

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E: Eu queria que você falasse um pouco esteticamente, musicalmente, dessa cena. Como você tem visto, como enxerga esse cenário, não só em São Paulo?
K: Eu sou otimista no que diz respeito à minha geração. Eu lembro que quando eu curtia rock nos anos 90, no Brasil inteiro havia uma onda de cover chato pra caramba e uma onda de bandas cantando em inglês. Eu lembro que assim que chegou o Chico Science deu uma nova roupagem do que seria a música jovem da época. Você pode fazer a sua música com influência internacional, mas adaptado ao seu jeito, à sua vivência aqui no Brasil. Mas tem que lembrar que o Chico Science e toda a galera do Mangue Bit, eles saíram do meio underground e logo depois eles tiveram o apoio das gravadoras pra espalhar pelo mundo. Se não houvesse o apoio das gravadoras a gente não teria conhecido eles, eles não teriam esse alcance nacional e internacional que tiveram. E desde aí eu sinto que os artistas independentes encontraram outras formas de trabalhar, e isso eu digo esteticamente mesmo. Lá em São Paulo as pessoas começaram a se interessar mais por música brasileira, mesmo quem vinha de uma cena indie. Essa moçada que fazia música no meio independente começou a prestar mais atenção em música brasileira. Acho que a partir dos anos 2000 começou esse interesse em fazer música brasileira e começou a brotar esses nomes que a gente conhece hoje. E cada um fez o seu percurso, cada um achou o seu resultado estético. Ninguém parece com ninguém, um artista é muito diferente do outro. Então eu sou otimista, eu estou sempre tendo contato com alguma coisa nova, eu gosto de ir em show, de ver o que está acontecendo na rua.

E: Você indicaria algum artista?

“A gente fica muito preso nessa coisa do bom gosto e isso pode virar uma prisão, ou uma coisa muito ditadora”

K: Tem um artista do Rio, o Negro Léo. Eu gostei muito do disco dele, gostei muito de um projeto que ele tem, uma banda maluca chamada Baby Hitler, que é uma banda absurda. Eles exploram uma estética muito interessante, eu identifico muito com o cinema marginal mesmo, do Rogério Sganzerla. Gosto muito das coisas que o Negro Léo tem feito, é um artista radical, trabalha muito com improvisos, ele compõe canções em cima dos improvisos que faz, um artista muito livre, livre de música tonal. Eu estou sentindo no Rio de Janeiro uma cena radical, só que agora eu acho que foi botado pra fora, e a gente via dos anos 2000 pra cá muito a geração da Orquestra Imperial (Kassin, Domemico, Moreno, a Thalma), e não viu nada aparecer depois disso. Isso calhou com um espaço de música independente lá do Rio de Janeiro chamado Audio Rebel, que tem um evento de música experimental chamado Quinta Van, que agora acontece em vários dias. E eu estou vendo muita coisa experimental e radical lá do Rio de Janeiro, e é um lugar onde a tradição fala muito forte. Então o Negro Léo é um símbolo dessa geração que está vindo do Rio de Janeiro, é algo que me interessa. Eu gosto muito de ouvir funk, funk carioca, eu acho que a música do Rio é o funk mesmo, o samba virou uma peça de museu. O funk lá de São Paulo eu tenho ouvido algumas coisas também, eu destaco lá de lá o Mc Bin Laden que estourou com o Passinho do Faraó. Ele tem um tratamento meio experimental, meio fora dos padrões do funk, e acredito que não tenha noção disso, que foi meio sem querer. São artistas muito jovens que entraram nos 20 anos agora. E do funk carioca eu gosto muito da Mc Carol, que ficou famosa por algumas faixas como Tô Usando Crack. Ela tem uma coisa de bad trip, ela é uma barra pesada dentro do funk. Até dentro do mundo do funk ela choca, o próprio mundo do funk tem medo dela, é uma mulher muito assustadora. Imagina que a Mc Carol era como a Aracy de Almeida na época do Noel Rosa, uma mulher que todo mundo corria porque falava de temas… São nomes que eu ando ouvindo. Então eu estou a procura de coisas contemporâneas, do hoje mesmo, não estou restrito ao mundo da canção, nem da minha geração, eu ouço de tudo, costumo deixar o gosto de lado. Às vezes a gente fica muito preso nessa coisa do bom gosto e pode virar uma prisão, ou uma coisa muito ditadora. O funk é o que me deixa mais assim, ultimamente. Vejo muita coisa ruim, mas o funk como expressão, como dança. Um baile funk hoje é tão assustador quanto um samba antigamente, como era a capoeira aqui na Bahia, como era o Bloco Afro. Lugar onde concentra muita gente preta num lugar só, a classe média entra em pânico, sempre foi assim desde a historia do samba. Mas eu me empolgo muito com as coisas de hoje, eu não sou saudosista de falar que “na minha época que era bom”, eu quero ver o que essa molecada de 14 anos está fazendo.

MC Carol – Tô Usando Crack

E: Para encerrar, gostaria que você falasse dos seus próximos projetos e os do Metá Metá.
K: O Metá Metá planeja gravar um disco talvez no começo de 2015. Já estamos mandando músicas um pra o outro. A novidade é que agora vão ter composições coletivas sempre. Agora a gente vai fazer as canções nós três mesmo, vai ser sempre parceria dos três, e vai ter uma participação maior ainda, mais do que teve no ‘Metal Metal’. Estamos pensando em construir o disco em cima de sessões de improviso, algo bem inspirado no Negro Léo e no que ele fez no último disco, que ele gravou horas de improviso e saiu botando letra depois. A gente quer testar esse caminho, que é um jeito de fugir da fórmula do disco anterior. Todos os projetos meus, o Metá Metá, o Passo Torto, a gente tenta criar o novo disco traindo o disco anterior, batendo de frente, contradizendo o disco anterior. A gente pretende gravar esse disco só em 2015, porque vai sair agora o disco do Thiago em vinil, o ‘Perus, Malagueta e Bacanaço’, acabou de sair o ‘Encarnado’ da Juçara, e eu vou gravar nesse semestre o ‘Corto e Escuto’, que é um disco que nem saiu ainda e gerou uma polêmica, e tô achando ótimo. E o ‘Corto e Escuto’ vai ser um disco mais punk, e ao mesmo tempo mais pop, é um projeto meu. O disco tem um tendência para o pop, mas é um disco mais duro, vai ser um disco mais barulhenta do que o ‘Metal Metal’. Eu costumo dizer que o ‘Corto e Escuto’ vai ser um disco que será um terapia musical minha, um regresso. Eu vou deitar no divã ali e vou voltar pra aquele molequinho de 11 anos ouvindo o disco do Ramones e acertar as coisas com isso. Quando eu gostava de rock, melhor, quando eu parei de gostar do rock, quando eu cansei do rock como linguagem pra mim, foi porque eu comecei a achar que tudo era repetitivo, os mesmo rifs, uma banda copiava o rif do outro. Até hoje eu não vejo muita novidade do rock, tudo o que eu escuto eu penso “putz, parece uma coisa que eu já ouvi há vinte anos, ou há trinta, ou há quarenta, ou nos anos 70”. Então vai ser um divã, e eu vou ficar ali com o Pai Rock e a Mãe Samba, acusando os dois de várias coisas e descobrindo as dores entre eles, e descobrindo o amor pelo Pai Rock e pela Mãe Samba, e revisitar o rock agora que eu tenho essa bagagem toda de música popular e samba, e da vivência toda de música experimental. Voltar esse Kiko de 14 anos com a bagagem que eu tenho hoje.

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