Di Melo

Entrevista: Di Melo- O Imorrível

Considerado morto, Di Melo volta a fazer shows e promete material novo. Nessa entrevista ele conta por onde esteve, fala de sua trajetória, do sumiço e das novidades.

Do nada, uma música começou a aparecer em pistas de dança pelo Brasil e Europa. “Kilariô” era uma novidade, mas, na verdade, era uma música com mais de 30 anos. O autor? Um pernambucano que quase ninguém havia ouvido falar. Di Melo. O disco homônimo lançado em 1975 é uma daquelas preciosidades que ficam esquecidas durante muito tempo e com tecnologia, internet, globalização e tudo aquilo que já sabemos, ganha notoriedade instantânea. Sucesso na época, foi o único disco gravado pelo então jovem Roberto Di Melo, na época com 25 anos. Ajudou também quando um certo Will.I.Am, do Black Eyed Peas citou o disco como uma das boas coisas que andava ouvindo.

O álbum já é considerado um clássico, pela inspirada coleção de boas canções e o jeito Di Melo de cantar, que ganhou reforço com o time que fez parte das gravações: Heraldo Dumonte nas violas e nos violões, Hermeto Paschoal nas flautas e nos teclados, Cláudio Bertrame no contrabaixo, Ubirajara (pai de Taiguara) no sintetizador, Dirceu na bateria, Bolão no sax, Capitão Piston (em vários instrumentos) no coro de vozes femininas de Eloá, Geraldo Vespar nos arranjos e no violão, e do maestro José Briamonte.

Um daqueles artistas tão obscuros que nem o aclamado e respeitado Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, em sua edição impressa, possui o verbete “Di Melo”. Na versão digital, quase nenhuma informação e um erro brutal: “Nascimento: Circa 1950. Morte: Recife, PE”. (Estamos em 2012, 4 de junho e essa informação ainda está lá). O cantor e compositor além de desconhecido, teve que conviver com essa história de que teria morrido. De tão sumido que estava, parecia verdade. Virou lenda. Virou filme.

É com essa figura e sua história que começamos uma série de entrevistas/ matérias com artistas brasileiros que soltaram oficialmente apenas um único e genial disco em sua carreira e nada mais. Neste caso, um artista que só pela história já vale saber mais, mas tem também um discaço nas costas, além de uma produção imensa ainda desconhecida, e mais, ele é uma daquelas figuraças que o papo rende, que fala pelos cotovelos, que inventa palavras, divaga, canta, recita, insere trechos de letras no meio do papo, vai e volta nas histórias e vale a pena deixar registrado praticamente tudo que falou, sem tirar nem pôr, guardando o mundo particular dele. Não vamos nem inserir os “sics”, que pedem os manuais de redação, porque são tantos que só ia atrapalhar. Vocês vão entender:

Di Melo

el Cabong – Pra começar queria que você contasse um pouquinho, seu início com música, como surgiu o mundo da música pra você lá em Recife.

Di Melo – Inicialmente foi… desde vindo do ventre, porque a dona Gabi tinha uma voz maviosa, gostava muito. Meu pai também tocava violão. Desde muito pequeno eu fui me interessando por essa área de música, de arte, de pintura… Eu nasci e cresci com isso. Ouvindo música, tocando, essa sessão. Aí o que rola: a coisa à medida em que eu fui crescendo, fui adquirindo cada vez mais essa manha, essa maçanha, essa maranha. Desde criança na escola, os shows musicais, rolavam sempre, na escola, isso em Recife. Meu padrinho tinha uma casa de ferragem enorme, me levou, fiquei 8 dias lá. “Vagabundo, não quer trabalhare, só quere violare, violare, violar.” Então eu pegava o violãozinho, rá de Capibaribe. Começou por aí mais ou menos. Aí depois, fui pro Pátio de São Pedro, aí fazia os entalhes, rolava, todo o movimento de som, eu tava no meio. Depois fiz Arame Farpado no Continente Perdido, que era um grande barato da época, foi o show que barbarizou na época.

O que tinha nesse show?

Di Melo – Então, era uma peça musicada que eu tinha uma participação. O primeiro sarongue foi lançado, a primeira história assim, em Pernambuco, que se saiba, que os caras fizeram a história de ficar nu, foi nesse Arame Farpado.

Isso era quando?

Di Melo – Isso era anos 60. Rapaziada metia um som fantástico. Flaviola… tinha um pessoal, tinha os movimentos de música. Inclusive quando o Quinteto Violado foi gravar o primeiro disco em São Paulo, eu fiquei no Olho Nu (N.E.: Pequena casa de espetáculos no Recife), era na (Avenida) Conde da Boa Vista na época, um bar deles. Fiquei por lá. Aí depois fui com (Walter) Wanderley, organista de Roberto Carlos, pra São Paulo. Achei um lance que tava passeando tanto quanto nuducrudo, né?,Decidi voltar, voltei amadureci um pouco. Eu fazia os entalhes, concorria com Pacheco, com Manoel Gardeni, ali no pátio São Pedro. Tinha a época de Aroeira, as grandes serestas rolavam no Pátio São Pedro, Bumba meu Bar. Aí, o que acontece, conheci o Jorge Ben. Toquei pra ele, ele disse “rapaz, você leva jeito pra coisa”. Deu o cartão do (empresário) Roberto Colossi e disse olha: “Segue e procura esse homem”. Fui lá, ele me atendeu muito bem, gostou do meu embalo, e, a partir daí, começou realmente a coisa a tomar pedal. Aí toquei “De Jogral a Lei Seca”, “Chopp Chocolate Show”, “Aleluia”, “Janela para o Mundo”, “Zé Préqueté”, “Balacobaco, Telecoteco”,” Igrejinha”, tudo! E nesse ínterim, Alaíde Costa foi lá e me mandou o Moacir no Jogral, que foi e viu e disse “pronto, tá contratado”. Foi aí que surgiu esse disco, até então o Valdemar Marquete era o meu editor, e ele que era arregimentador, aí trouxe: Hermeto Pascoal, Heraldo Dumonte, Cláudio Beltrame…

Você já fazia Black Music?

Di Melo – Sim, sim, sempre. O que acontece? O Norte Nordeste tem um cantar diferenciado, um balanço, que é incomum em qualquer lugar. E que se posta. Que chega e se coloca. E que faz frente a qualquer onda sonora. Sem deixar nada a desejar, entendeu? Aí o que acontece, a partir daí eu gravei esse disco. Com esses caras, que era o Hermeto, Heraldo, Cláudio Betrani, Bolão, Capitão…

Que vieram através de…

Di Melo – Desse, esse disco, que vieram através do Curisco, eu conhecia eles. Havia uma irmandade, as pessoas se compraziam, elas iam pra noite, se encontravam nos bares, compunham, e essa história era interessante, tinha inclusive a história de um bar, chamado Sem Nome, que todo mundo ia, subia no palco, fazia duas músicas. Chico Buarque baixava…

Isso em São Paulo?

Di Melo – São Paulo. Bar Sem Nome, era a bodega do Agostinho do Português. Então Chico Buarque ia, o Djavan ia, o Cassiano ia, eu ia, Waldir da Fonseca, Terrinha(?), todo mundo ia e fazia um som.

E como foi gravação do disco, composição, produção, como foi que aconteceu?

O único disco lançado em 1975

Di Melo – Então, as músicas, exceto “João”, de Maria Cristina Barrionuevo; “Conformópolis”, do Waldir da Fonseca; “Aceito Tudo”, do Vithal e Vidal França; e” Indecisão”, do Terrinha; todas as demais músicas são minhas. Nessa sequência, eu terminei entre a noite, aí iam levar o Marku Ribas, aí os caras gostaram do meu balanço que emplacou mais, né? E terminou eu indo pro Japão. Era um história de ficar 3 meses, aí eu saia, carimbava o passaporte e voltava. Aquela malandragem. Depois, eu voltei, realmente pra noite no intuito de fazer a minha música. E depois começou também muita pressão em cima de mim. Uns querendo que eu tomasse o lugar de fulano de tal, de sicrano. Eu digo não, meu caminho é meu, entendeu? E não preciso de nada de ninguém. Tanto que eu canto uma música: “Tudo o que se toca deixa e leva um pouco de tudo, também se assim não fosse, seria o eterno absurdo. Se o que ficou cá atrás revelou-se tão mudo, tudo o que me satisfaz é ter seu corpo desnudo, teus contornos ineguais me enlouquecem, vou fundo, nas verticais e horizontais, te mordo, esfrego e faço tudo, eu aprendi assim, nunca nada é igual, se a coisa tá ruim, é fator temporal, relaxe e dê pra mim, seja mais liberal, ficar sem estar afim, é muito natural, os meus pirlimpimpins, teu etc e tal, em Londres ou Berlim tem zona sazonal, aqui como em Pequim tem mel, açúcar e sal, se tu morrer pra mim, é luto oficial, portanto dividir é muy sensacional, que tal interagir além do bem e do mal, cantar, tocar compôr num groove universal, ser todo por amor, um bem coracional, tudo o que se toca deixa e leva um pouco de tudo”.

Mas aí você estava falando que você voltou para noite…

Di Melo – Voltei, voltei pra noite, mas já num pique assim, de fazer, de shows, mesmo. De fazer show, já, mesmo.

Mas em São Paulo.

Di Melo – É, houve uma época, houve uma periodicidade em que eu tocava cem sambas um ligado ao outro. Entendeu? No jogral era muito isso, porque quem subisse no palco teria que superar quem desceu. Era uma outra história. Era o âmbito de uma outra época. O ar era mais tênue. Não é?

E esse disco, como foi a receptividade dele, na época… Fez sucesso, né?

Di Melo – Olha, velho, o que colocaram na rua vendeu. Colocaram primeira, segunda, terceira vez, e continuaram colocando, porque, uma quantidade… Colocaram esses discos e parece que ele realmente começou a dar cria, rolava, rolava e rolava e não acabava. Aí foi quando os caras começaram a descobrir a história, a manha, maçanha, maranha, a mamunha e a tramóia da história do som. Entendeu? Começaram a levar realmente os discos embora. Hoje, na Holanda, eu encontrei esse disco… Eu digo “hoje”, o ano passado, encontrei esse disco na Holanda estilo 700 euros. Tem outros lugares que são 500…

Como era você produzir esse tipo de sonoridade, esse tipo de música naquele período. Tinha mais gente fazendo? Como era?

Di Melo – Eu sempre acho que o meu caminho é o meu caminho, independente de qualquer dependência ou interdependência, eu sempre tive o meu balanço e sempre tive a minha letra galgada assim. Você coloca a minha música no ritmo que você quiser. Por exemplo, eu tava fazendo um funk, e a música virou um reggae. Ela tem essa elasticidade, por assim dizer. Agora tá rolando assim, o disco, novo, estou relançando, vindo da República Tcheca, ele já vem num náipe, é, capa dupla…

Um disco novo?

O parceiro Geraldo Vandré

Di Melo – Não, o disco da EMI/Odeon, ele vem com capa nova e tal, bonitinho, tarararara, e com todo mundo que realmente tocou, fez parte do trabalho. Porque na época não se usava colocar quem tocou, quem deixou de tocar. E esse disco é, o quê, um achado? Um legado? Uma história para a posteridade. Como diria Baluim de Baluim: “Para ver é preciso olhar e o pavê já é uma questão de degustar”. Mas as pessoas estão mais ligadas, é um som que ultrapassa e perpassa qualquer intempérie. E a preocupação é cada vez mais fazer o melhor. Eu vim numa vibe assim… tenho 12 músicas inéditas com um cara chamado Geraldo Vandré, o homem do “Vem vamos embora que esperar não é saber”, são verdadeiras escolásticas.

Você pretende lançar esse trabalho?

Di Melo – Pretendo sim, claro, são coisas muito bonitas, diferente de tudo…

Quem foram seus principais parceiros?

Di Melo – Olhe, parceiros, na realidade, foram poucos. Eu tive Geraldo Vandré, o Wando fez uma música comigo, que não foi lançada, Jair Rodrigues fez um funk comigo, recentemente, que também taí numa história de lança, não lança… Quem mais? Tem alguma coisa com Ivo… Mas, me vem a música e a letra. Já vem tudo. É uma… Meio que uma dádiva divinal. É um presente.

Tem gente que acha que com o tempo vai encontrando mais dificuldade para criar, como é com você?

Di Melo – Naaada, nada, minha cabeça é à milhão. Sempre. Sempre. Eu estou me reciclando o tempo todo. Isso normalmente. Não há forçação nenhuma de nenhum tipo de barra. Quero fazer boa música, eu gosto de pintura, eu gosto de dança, eu gosto de arte como um todo.

E o que é que te inspira musicalmente, o que é que você ouve?

Di Melo – Olhe rapaz, eu ouço tudo. Eu ouço tudo e quer dizer, se a coisa é boa eu prossigo.

Mas o que é que você acha bom, o que você citaria?

Di Melo – Olha, hoje, eu vi, uma menina que é muito boa, Aline Calixto. É muito boa. Ela tem inclusive, se você fechar os olhos assim, ela traz uma história, ela lembra muito a história da Clara Nunes. Tem o Emicida, é muito bom. Porra, Zeca Baleiro é fantástico, Lenine. É um negócio de doido. O Brasil, eu costumo dizer, tem uma gama, claro, além dos, dos cobrões que aí estão e que são monstros sagrados, o Brasil tem, tipo, mesmo, aqui, o pessoal da Bahia, fantástico, nem precisa citar nomes, todo mundo sabe. Pernambuco também tem uma gama frequente. O Brasil como um todo tem uma gama frequente de gente de teatro, de música, criando, recriando, recreando, é um negócio fantástico. E assim, um fato curioso… Eu costumava brincar, dizia, fazendo show, “Conheci três, cantores”, quase brincando, “Quais foram eles? – Frank Sinatra, Pavarotti e eu!”, ou “Tony Benett, Pavarotti e eu!”, e os caras cacacacá, davam risada. Aí um amigo meu ligou de Londres, disse: “Di Melo, você não vai acreditar”. Oito horas da manhã, eu digo: “não me dê notícia ruim nesse horário”. Ele disse: “foi feita uma pesquisa que disse que você está entre as dez melhores vozes do planeta, lembra daquela brincadeira que você fazia, que você conheceu três cantores e tal? Fizeram uma pesquisa, e chegaram à conclusão que você está entre as 10 melhores vozes do planeta, só que é uma pena que você gravou um único disco e que você morreu de um desastre de moto”. Aí disse, porra: “morri e esqueceram de me avisar”. Coincidentemente, tava com essa história de 100 ano de Brasil do Charles Gavin, esses relançamentos da EMI/Odeon, que eu vim na leva de volta. Aí começou a história, né, que tava todo mundo falava: “Di Melo, pô, tá tocando teu som lá fora, tá tocando seu som lá fora”. “Tão vendendo, e tal”. Aí um amigo meu pegou um disquete e fez com valores, lugares que vendia, e tal, e começaram realmente a redescobrir. Até que perguntaram para o Will.I.am, do Black Eyed Peas, “você gosta de música de quem?” Ele disse “Jorge Ben e Di Melo”. Aí tá rolando, tá rolando. Assim, tipo andando na Holanda e ouvindo, “A Vida em Seus Métodos diz calma” (canta), Kilariô e tal, barará, barará, quer dizer, elas pegaram várias coletâneas e rola um som, que fica ali circulando e que ficou. Jorge Ben até hoje se dá bem com “ô, ô-ô, ariá, raiou, né?” (canta) Tem essas coisas. E tá ficando. O Ed Motta do cacete. Inclusive o Leo Maia, gravou, agora, Kilariô, fez uma regravação, pegou um… Tá uma porrada o disco dele.

Como foi essa história de que você gravou o disco, deu uma sumida, depois voltou… Como foi esse desaparecimento?

Di Melo – Eu sintetizo inclusive isso no próprio filme. Porque o disco, tudo o que colocavam, ia nas prateleiras, já foi. E, pô, tinha Wando estourou com “Moça, me espere amanhã”, eu tinha uma música, “Volta”, nesse disco. Tinha Jair Rodrigues, “Paspalho”, que eram caras que vendiam pra cacete, que vendiam muito, de porrada. Aí fui receber o direito autoral tinha onze cruzeiros, aí eu fiquei… você começa a ficar meio puto. Quando você é jovem você acha que o tempo não passa. Você acha que você é eterno, você busca assim, o ar no pulmão, vai lá no fundão volta e, porra, aquela vitalidade, aquela puta energia…. graças a Deus isso inda eu tenho, mas muita gente, pô, que tá aí, que eu encontrei no caminho, ou já foi ou tá bagaço. Tá bagaceira. Então, quer dizer, há uma força superior que me rege, que me olha, que me cuida, que me ilumina. Nisso eu acredito piamente. Existem coisas para as quais não existe explicação. Eu tenho uma música com Vandré, que diz assim: “Olha amor, o tempo a passar, entre nós dois, e aparecer nos separar, olha bem que só em passar o tempo não é nem razão nem causa dor. Não há de faltar entendedor sempre a descobrir combinação, nisso que entre nós nem se falou, nem se diz nem se negou e nem precisa explicação. Parece perdido o nosso amor, comumíssimo, superlativo de comum, pra quem se perdeu nesse valor, que não é razão nem causador, não venceu nem se acabou, foi só um tempo que passou, como tudo passa”. Nada é eterno, claro, salvo, algumas músicas. Pessoas sensíveis sempre emocionam e fascinam, e são raríssimas coisas às quais você contabiliza a dedo que te faz voltar no tempo. Você aspira um perfume, você volta no tempo. Você ouve uma música, idem.Uma película, uma foto… Inclusive tem uma propaganda que dizia, “fotografe o presente pra não morrer de saudade”. Minha mãe cantava muito maviosamente, e foi por aí que eu comecei realmente a gostar de música, ouvia Jackson do Pandeiro, ouvia muito Luiz Gonzaga, Woleide Dantas era uma figura da época, Ângela Maria, Cauby Peixoto, ouvia todo esse pessoal. Eu sempre fui muito ligado a som, e tal. Ela tinha uma voz maviosa, só que ela cantava pra dentro, porque era de uma timidez fantástica. Eu já vim mais ao contrário. Talvez dando seguimento a história, à qual ela não tinha se prestado a ir adiante. Era uma mulher muito bonita, de estremecer as bases, mesmo, minha mãe paralisava o trânsito, é linda. Já meu pai é um bicho feião, mas vigarista, cheio de macetes e artimanhas, de pintar o carro pra dizer que comprou outro carro, aquelas coisas… Aquelas malandragens.

Mas você tava contando sobre o desaparecimento…

Ah, a história. Você perde o chão na história. Você trabalha, trabalha, trabalha e todo mundo se dá bem e você não consegue se manter com o seu trabalho, aí é gozado… Tava desiludido, meio distesonificado. Também a cabeça era outra, né? Porque quando você é jovem, você quer zoeira. E eu caí. Eu fumei, eu cheirei. Quer dizer, nunca matei, nunca roubei, não trafiquei, e me toquei, das coisas que estavam… Me mantive. Na realidade, eu sou um sobrevivente. Eu tinha me perdido na história, porque eu queria fazer uma música mais gritante e o pessoal cortava o barato.

O pessoal era o quê, as gravadoras?

É, meio que assim, né? Você vai fazer assim, assim, assado, e chega uma hora que você diz: “também não quero, eles não querem fazer o que eu quero, eu também não vou fazer”.

E você decidiu parar.

Eu parei, ia pros mares da vida, eu saia pra ficar 8 dias. Já fui pra Recife pra ficar 8 dias, fiquei 10 meses.

Mas e aí, você nesse período, isso aí foi o quê, 70 e pouco…

Sim, mas nunca parei de cantar, de tocar, de compôr, sempre me mantive. Fazia alguns shows. E mais assim, vendendo os quadrinhos. Houve um período em que eu pintava durante a noite e vendia esses quadrinhos durante o dia.

Isso em Recife?

Não. Em Recife eu fazia entalhe, mas parei com essa história porque a pigmentação da tinta era um negócio muito louco. E fazia o entalhe e cortava o barato de tocar o violão pra compôr.

Mas aí você disse que estava vivendo de quadrinhos.

Vivia de quadrinhos, tinha os quadrinhos e tal, barararará, quadro pra quarto de criança, em princípio. Depois eu fui tomando gosto pela coisa e, fui indo,  gostando angariando, pegava aqui, trocava aqui, ia lá. E foi assim que eu fui me adaptando à história das artes, sem sair dela. Aí tem assim, dois livros, “A Mini-crônica da Mulher Instrumento” e “O Bicho Voador”, que denominou o nome da produtora de São Paulo, e… agora tem a história do filme, não sei se você sabe, “Di Melo o Imorrível”, não sei se você sabe. Tem a história do livro, que eu tô tentando ver também, por Recife. Tem a história do relançamento do vinil e tô fazendo um som com essa banda, Pé Preto, na casona que é um estúdio dentro de um sítio meio que à beira mar.

O novo disco?

O novo disco com novas armação.

Mas em que estágio está?

Olha, tem 4 músicas praticamente prontas e eu tô indo agora pra Recife pra organizar as coisas. A Fundarpe me deu um super apoio na história do filme e tá viabilizando também a história desse disco.

Além do disco de 75 eu encontrei também uma coletânea, eu achei até que era um disco novo, porque tá com uma qualidade muito boa… Existe uma coletânea, que trabalho é esse?

Não, olha, à parte isso, como eu te falei, eu fiz assim, um montante de umas 500 músicas, e dessas 500, 100 músicas já tem gravadas. Eu fui eu mesmo bancando, entendeu, quer dizer…

Mas lançando, também?

Não, não, relançando. Eu fui, infelizmente, o cara que trabalhou comigo, o maestro (José Briamonte), ele faleceu de câncer, e isso aí meio que me deu uma desmotivada, mas esse trabalho, como é, tanto quanto, como essa coletânea, tá, tem músicas que tão prontas pra desbravar o mundo, né? Tem umas músicas assim, bem legais, e, algumas coisas eu tô fazendo um apanhado desses 10 discos que eu fiz, não é? E escolhendo assim a dedo as melhores, pra fazer um novo álbum, que…

Não, mas me tire uma dúvida, você gravou aquele disco em 75 e esses 10 discos que você gravou mas nunca lançou…

Não, não lancei, isso aí foi exatamente pra fazer, é, como se diz, eu tenho uma filha de cinco anos, então toda essa preocupação, não é, já, eu havia perdido a vontade de fazer qualquer coisa nesse sentido, pra lhe ser sincero, mas aí surgiu a Gabi, eu olhei pra ela, eu digo, meu Deus, não é, e… Aí eu comecei a escrever pra ela, eu fiz uma música “se origina”, que é a coisa mais linda do planeta, em homenagem a ela e… Digo, pronto, tá aqui, minha veia. Eu vou aqui. Fui pra cima, com gosto de querosene, pra fazer, realmente, valer, essa história, assim, a música dela fez assim: “Pra te ver menina, pra provar o meu amor, nele se origina, contemplação, louvor. Tom sur tom, bunina, teu perfume exalar flor, manhã tão vespertina, que o rouxinol cantou, me fez sonhar ao cheirar som, a luz da linda primavera e tão bonito foi, que nem senti a espera, maravilhado fui, te juro pela cruz, foi prazer tê-la fruto da esperança, fez a vida bela, rir feito criança frente à atmosfera, e sentir tão livre como nunca fui”, né? então, fiz também uma música em homenagem a Elis Regina, tem uma música em homenagem a Baden Powell, que tá vindo nesse disco, “Faz também pensar”…


E o que fez você retomar essa… Porque assim, de certa forma você não parou, mas agora você está retomando de fato.

Exatamente. A Gabi com essa história e os DJs do mundo todo, eles tão tocando, “A Vida em seus métodos diz calma”, o Kilariô, o Minha Estrela, o povo tá gostando e a rapaziada, o pessoal jovem, mesmo, o povo vem inteiramente jovem, quer dizer, são jovens de todas as idades, mas o pessoal de 15 anos, a partir de 15 anos tá adorando, os depoimentos são louquíssimos, é, as conveersas são maravilhosas, e tudo isso faz com que você vá crescendo, vá numa onda crescente, ascendente, sempre.

Qqueria ver como é que você vê as diferenças daquele período lá em que você começou, que você gravou o primeiro disco, e de hoje, de mercado, de público, de…

Ah mudou tudo, mudou muito, mas eu acho que, é, uma boa música, tem seu lugar a qualquer hora, ultrapassa qualquer intempérie, né?

O que te move hoje na música?

A vontade de fazer veio com a história de Gabiroba. Gabirobinha canta maviosamente, ela ouve uma, duas, na terceira ela sai cantando, nós fizemos, eu, ela e o Emicida… Inclusive tô gravando a música minha, do Emicida e do Waldir da Fonseca, que é uma porrada, chama-se diuturno. Antes era Sinal Fechado Nº2, virou Diuturno, que tá assim, uma pancada na moleira. Não é? Estamos fazendo um som pra cidadão nenhum colocar defeito. Seria um som que agrada cristão elefão. Sem falta modéstia, porque porra, não adianta esse papo de frescura e nhé, nhenhenhé, não, o som é pra valer mesmo, entendeu? E… Pra um bom som não existe nem barreira e nem fronteira. É feito aquela história, o fogo você controla, mas o ar, não é, o ar, a água, a linguagem amórica… Ninguém barra. Né? O amor é universal. O som, também, ele transcende, ele vai a milhão. A música ela te pega, ela te arrebata assim, de uma maneira… Você pá… Ela entrou… Eu tenho uma música aí que eu tô cantando linha direta. Ouvi e gravei. De uma menina… Chama-se Ana Rott. Água lá A, Água lá é, Vágua aqui, vágua lô, vágua cai feito luva em mim… Muito boa, ela. E além de ser uma mulher muito bonita, não é? Se não existir mulher bonita, eu acho que não existe música. Elas têm, elas têm esse pdoer, né? Pelo menos comigo. Mexe com a minha sensibilidade, a minha libido, então, e o lance do filme foi exatamente isso. Quando o Charles Gavin colocou o som, aí veio o Rubens (Pássaro), de São Paulo, e o Alan (Oliveira), de Recife, com a mesma ideia. Eu digo: caia pra cá, ele veio, eu coloquei, juntei os dois, foi uma junção do útero ao agradável, o trabalho tá muito bom, o filme já foi premiado, tá rolando, tá se sintonizando uma ideia de fazer toda a europa de trem, passando o filme, fazendo música… Eu acho que a coisa tá pegando um pedal, graças a Deus. Né? É… Esse disco me trouxe isso. Essa alegria, é uim som que você ouve a qualquer hora e… Ele tá novo. Ele tá rejuvenescido… Então… Eu tô muito feliz com isso. O importante é ser feliz. Aliás, o lema é: feliz tudo o tempo todo. A vida é… Em seus métodos diz calma. E é cheia de fases, cheia de manha, maçanha e maranha. Você tá pra cima, e de repente você tá pra baixo, você tem que perseguir o seu intento, O seu ideal, o seu sonho, senão você faleceu. Por falar em falecido…

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