Diversidade, discursos e ótimos shows marcam Coquetel Molotov no Recife

Festival Coquetel Molotov, no Recife, une diversidade e ótimos shows em line up com presença massiva de mulheres, negros e LGBTQs entre os headliners.

Texto pela Equipe O Inimigo* e fotos de Beto Figueroa.

Mais uma edição do No Ar Coquetel Molotov se foi e cumpriu seu papel. Não sem antes criar uma expectativa pela mudança de local e estrutura. Tudo correu sem problemas fora pequenos atrasos em alguns shows, mas a medida que a noite foi chegando os horários foram se amarrando. A estrutura de bar, praça de alimentação, banheiros e feira mix funcionaram fácil e os shows dividiram o público que curtiu o que presenciou.

A principal cara do Coquetel Molotov é a diversidade e o line up com presença massiva de mulheres, negros e LGBTQs entre os headliners é a prova de que, pelo menos na cultura, estamos indo por um bom caminho. E por mais que bandas mais pesadas não sejam a cara do festival, bandas como ÀTTOOXXÁ e Kiko Dinucci representam dentro de seus nichos facilmente um som pesado. Afinal, pesado é subjetivo.

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Muito difícil chegar a uma conclusão sobre melhores shows, mas Rincon Sapiência, ATTOOXXA, Curumin, Kiko Dinucci e Linn da Quebrada foram os nomes mais comentados.

Rincon com um show redondo, a cara do disco, e com participação de Lia de Itamaracá mostrou sua mistura de ritmos e simpatia para conquistar o público. Aliás, simpatia foi a tônica do evento, com todos os artistas interagindo bem com o público. Curumin transformou o palco Sonic num baile político. Por mais que o recente disco não tenha conquistado todo mundo, o show com os hits de sua carreira foram certeiros. Linn da Quebrada deu o ar político-social de inclusão e luta LGBTQ. Empoderamento de todos. Músicas, letras e discurso andaram juntos. Dançar com consciência e cantar lutando.

Kiko Dinucci conseguiu transformar seu Cortes Curtos em algo mais visceral ao vivo. Muita banda punk de carteira não faz metade do que ele consegue com a sua. Assim como Linn, o discurso das letras andou de mãos dadas com o peso da guitarra e com a chuva que oscilou entre uma garoa até um dilúvio, coincidentemente durante “Chorei”. Correndo por fora, mas com discos elogiados, Luiza Lian e Giovani Cidreira fizeram shows impactantes. Luiza transportou para o palco a pluralidade de música, poesia, artes visuais e, porque não, religião. Se no disco a pancada já é grande, ao vivo tudo cresce e isso era visível no público atento.

Tudo descrito antes pode ser aplicado a Giovani e sua aparição em disco de estreia. A banda pesada contando com integrantes do Cidadão Instigado teve a honra e o peso de abrir os trabalhos antes das 16h no palco Sonic. Apesar do pequeno público, que entrava ainda timidamente no Caxangá Golf & Country Club e ia se ambientando, Giovani fez um excelente show e merece ganhar horários mais nobres em outros eventos similares.

Coquetel Molotov por beto Figueiroa

A chuva e o choque de horários dividiram o público e enquanto uns preferiam as grandes atrações do palco Velvet, outros preferiram as novidades do Sonic e AESO. Sendo assim a recifense Lady Laay, com batidas de DJ Novato e ladeada por Mari Periférica e Darc Cintra, mostrou a luta da mulher contra o machismo e a misoginia através do rap/hip hop. Um Fora Temer foi puxado e o usurpador ganhou música falando da realidade que assola o país que recentemente ganhou de presente o abrandamento das leis do trabalho escravo.

A banda Gorduratrans também fez um bom show para público diminuto mostrando seu segundo disco de sonoridade introspectiva e rebuscada cativando mais fãs. Show visceral mesmo fez Soledad, vinda de Fortaleza. Com um blues carregado falando do dia a dia, das lutas, decepções e amores, Soledad fez uma apresentação que deveria ser no palco principal. Por outro lado talvez não funcionasse, dado que próximo ao chão ela podia cruzar o olhar com o público e fazer ele sentir o peso e sinceridade de suas letras que com o apoio de uma banda afiada ganhavam ainda mais intensidade.

Alessandra Leão no palco Sonic também não teve um grande público, mas quem permaneceu lá estava atento a uma bela apresentação mostrando que as cantoras pop estão espalhadas por todos os cantos. Fiquem de olho em Alessandra e ouçam seu disco Língua. Ela ainda teve a participação luxuosa de Kiko Dinucci em seu show. O Terno fez um show pomposo e impressionando pela pegada setentista. Se o show no DoSol de 2016 não animou muito, esse naipe de metais deu mais vida ao trio. A Kalouv lançou o novo disco Elã que mostrou uma nova cara da banda: a aposta em uma sonoridade mais direta. O show contou com a participação de Benke Ferraz da Boogarins. O público aprovou.

As gringas DIIV e Hinds, dos EUA e Espanha, respectivamente, tinham propostas distintas e serviram para mostrar que não tem necessidade de se trazer grandes nomes de fora quando se tem propostas boas de menor porte. O indie da DIIV e o pop da Hinds caíram muito bem na noite e aliaram bons shows com público atento. No quesito simpatia e sintonia as espanholas ganharam com um bom diálogo com o público.

Arnaldo Baptista merece um capítulo separado. Quem foi pra ver o Lóki ou o Mutante talvez tenha se decepcionado. Foi um show para os iniciados no voz e piano. Um show que falar mal é feio até pelo nome que Arnaldo construiu na música brasileira. Mas o fato é que passou longe de empolgar. Seria um show perfeito para um local fechado e um público conhecedor da carreira do músico. O passeio pelo repertório vasto e desconhecido da maioria, com o piano como aliado, era o que o nome do espetáculo apontava: um sarau. No telão pinturas de sua autoria ornamentavam o show e uma personagem de cabelo ruivo se destacou várias vezes. Possivelmente Rita Lee. Arnaldo chegou a babar enquanto cantava o que só me fez lembrar da biografia de Rita onde ela afirma que ligou para Arnaldo fingindo ser alguém da parte de Kurt Cobain e o Lóki atendeu falando normalmente, empolgado e sem gaguejar. Se ele finge até babar no show, tragam um Oscar para o homem.

O encerramento ficou por conta da festa Mamba Negra. Pra quem já estava com a cabeça funcionando por meio de aditivos caiu como uma luva. Um techno muito alto e grave, três dançarinos/performers que pareciam ter saído de um filme de ficção científica (um com corpo pintado de branco com um adorno na cabeça feito de sacos de lixo, outro com uma roupa feita de luzes coloridas, um terceiro com um chicote feito de pisca-pisca que engolia e descomia o tempo inteiro) iam e vinham recitando coisas no palco, como se fosse mais uma instalação artística. Pra quem não é muito chegado na lombra era a hora de buscar um modo de retornar ao lar descansar a carcaça.

* Equipe da Revista O Inimigo com texto de Hugo Morais e colaboração de Felipe Alecrim e Pedro Lucas.

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