Disco Jotaerre Bahia

Discos: Jotaerre e seu pagode instrumental em disco ao vivo

A produção de discos na música baiana continua em alta rotatividade e mostrando a imensa diversidade do que é feito por aqui. Seguimos destacando no el Cabong alguns desses lançamentos. Dessa vez é o novo álbum do compositor e guitarrista Jotaerre, um trabalho ao vivo que ganha o olhar de Juliana Rodrigues.

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Por Juliana Rodrigues*

Com sua abordagem instrumental e conceitual do pagodão e do groove arrastado, o guitarrista baiano Jotaerre, membro da banda Psirico, foi o nome por trás de “Choraviolla II”, um dos melhores discos de 2018, na avaliação de especialistas do el Cabong e de diversos outros blogs/sites sobre música. O principal trunfo de seu trabalho é a expansão das fronteiras desse gênero musical, com a inclusão de diversos elementos eletrônicos e experimentações, sem deixar de lado o apelo popular. No último mês de maio, o músico, natural de Paulo Afonso, disponibilizou nas plataformas digitais o álbum “Choraviolla Ao Vivo”. O disco, gravado durante a participação do artista no Festival Coquetel Molotov, em Recife (PE), alinha faixas dos dois primeiros álbuns de sua trajetória com temas que não constam da tracklist de nenhum dos trabalhos anteriores. Embora seja válido como amostra da energia e da vivacidade do trabalho do guitarrista, “Choraviolla Ao Vivo” tem algumas falhas técnicas que acabam reduzindo o brilho do conjunto da obra.

Ao longo de quase uma hora, o repertório do show consegue costurar de maneira competente as faixas de “Choraviolla” (2017) e “Choraviolla II” (2018), dois álbuns que giram em torno de diferentes conceitos: as interseções entre o pagodão e as sonoridades do sertão nordestino, no caso do primeiro; e uma abordagem da invasão holandesa à Bahia como pano de fundo para o nascimento da tradição da viola caipira, trazida pela União Ibérica, no caso do segundo. Naturalmente, a “coerência” conceitual é deixada um pouco de lado, já que a proposta é envolver o público e fazer todo mundo meter dança.

Vibração da plateia

A primeira metade do show foca mais em temas como “Violla Attack” e “Chadzabumba”, do primeiro álbum, enquanto a segunda metade se baseia no “Choraviolla II”. É preciso dizer, inclusive, que algumas faixas do disco de 2018 ganham nova energia quando tocadas ao vivo, a exemplo de “Quillo Te Quieres”, com a voz da cantora de flamenco Pilar Bec, e “Canalaranja”, que tem a participação da cantora Andréa Caldas. Entre as novidades, destaque para “O Negócio é Pixta” e “Porra Niuma Pai”, que têm as mais divertidas – e genuinamente baianas – frases sampleadas. Também há um registro para “Embola Embola”, lançada em 2009 pelo Psirico, grupo do qual Jotaerre é guitarrista desde 2013.

Uma das principais falhas de “Choraviolla Ao Vivo” está na ausência de um elemento essencial a qualquer disco ao vivo: a vibração da plateia. Não é novidade que muitos discos e EPs são gravados no palco e sem muita preocupação de captar os sons do público. Essa prática é especialmente comum para bandas de forró e pagode que testam o repertório na estrada e costumam lançar suas novidades em “CDs Promocionais”, assim denominados. No entanto, causa estranheza aos ouvidos o contraste entre um show tão cheio de energia e um “silêncio” onde deveriam estar os gritos do público. Fora as poucas referências à audiência – caso de “Invasão 1624”, quando Jotaerre comanda a abertura de uma roda -, mal dá para perceber que se trata de um registro ao vivo.

Passagens abruptas

Outro problema técnico, percebido na audição do álbum em plataformas digitais, está nas transições entre faixas. Há várias passagens abruptas de uma para outra, como entre “Pulsa”, “Violla Attack” e “Haiti Vibes”, ou ainda na virada de “Caia na Praia” para “Invasão 1624”. Discos feitos a partir de shows costumam ter certa fluidez nesse quesito. Esses problemas não tiram completamente os méritos do trabalho, mas acabam por causar uma “quebra” na experiência de escuta, já que a impressão é que o álbum está picotado.

“Choraviolla Ao Vivo” não chega a ousar tanto quanto poderia, como se espera de um disco ao vivo – um amigo chegou a definir esse trabalho como “conservador”, e é, em certa medida. Mas, pelo que se nota, a proposta principal de Jotaerre ao liberar o trabalho nas plataformas digitais foi dar ao público um gostinho da experiência de seus shows, o que não deixa de ser válido, já que apresentações solo do guitarrista ainda são raras. O que fica, ao escutar o disco, é o desejo de curtir toda essa energia na pista, no meio do povo, além da esperança de que nos próximos registros seja possível ouvir o público expressar essa energia.

* Juliana Rodrigues é jornalista formada pela UFBA e pesquisadora musical. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas. Produziu o radiodocumentário “Além do que se ouve – Sonoridades da MPB nas décadas de 1960, 1970 e 1980” como trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, em 2018, e tem passagens pelas rádios BandNews (2017-2018) e Educadora FM (2015-2017).

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