Átila Santana

Entrevista: Átila Santana faz disco sozinho e questiona valor da arte

Músico conhecido no cenário musical soteropolitano, Átila Santana acaba de soltar seu primeiro disco solo, ‘Eu, todo mundo, você’. Com longa trajetória na banda de afrobeat IFÀ, Átila prossegue mergulhando nas sonoridades africanas, mas agora com referências mais contemporâneas e relacionadas com a eletrônica. Nessa estreia, ele assume todas as funções, num daqueles típicos trabalhos de um homem só. Compõe, canta, produz, toca guitarra, baixo, teclados, sintetizadores, faz as programações, mixa e masteriza.

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Outro aspecto do trabalho é que o questionamento que faz do valor da arte. Para isso, o músico faz uma aposta ousada, deixando o álbum de fora das plataformas de streaming, deixando-o disponível apenas em seu site para colaborações de interessados. Nessa entrevista, ele fala sobre todas essas questões e levanta a própria forma como encaramos as produções artísticas.

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Atila SantanaQuem: Átila Santana
O Que: Disco ‘Eu, todo mundo, você’
Formato: Digital 
Onde: Site
Por quem: Independente
Preço: R$ 8 ou R$17

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Primeiro, gostaria que você contasse como foi a concepção do disco. Há um conceito nele?

Átila Santana – “Eu, todo mundo, você” surge de um impulso inicial pela criação. Dentre todos os muitos afazeres do meu trabalho como produtor musical, sinto que o aspecto composicional sempre esteve presente de maneira marcante em todos os projetos que faço parte ou produzo. Seja no início como cantor/ compositor/ baixista/ guitarrista, seja nos anos dedicados à música instrumental e sua necessidade de comunicar sem palavras, seja quando estou produzindo um arranjo/ base/ beat para algum artista no meu estúdio ou em casa. A criação de algo novo/ diferente/ inédito/ original é o que me move. Com as limitações de isolamento social e quarentena impostas pela pandemia tive que encerrar as atividades presenciais no meu estúdio no Rio Vermelho e comecei a produzir com artistas exclusivamente a distância. Com o decorrer dos dias e meses isso se tornou uma necessidade por conexão e troca. Dentre os muitos conceitos possíveis dentro do disco esse talvez seja o principal. Conexão e troca através da arte que é o que nos potencializa para além da realidade esmagadora do mundo físico. No disco falo de coisas partindo de um universo particular, mas que acredito encontram reflexo na vida de muitas pessoas.

– Como foi o processo de composição, produção e gravação do álbum?

Átila Santana – Venho trabalhando com música eletrônica há alguns anos, desenvolvendo estudos misturando música feita com computador às claves ancestrais do universo percussivo afro baiano. Desse processo criativo surgiram várias bases que foram se acumulando no HD. Com a pandemia veio um repensar o papel da arte na vida das pessoas e veio a vontade de voltar a compor com letra, pra falar de alguns desses sentimentos depois de muitos anos só compondo instrumental. O disco foi todo gravado em minha casa e teve as dificuldades e benefícios de trabalhar dessa forma. Se por um lado não tinha a acústica e o silêncio adequados, por outro, podia gravar o take de voz totalmente à vontade e capturar algo de espontaneidade que as vezes é perdido no estúdios de gravação. Esses assuntos eu já abordava em minha oficinas de produção musical de baixo custo e o disco é um gancho para um retorno a esses cursos que por enquanto serão online.

– Quais foram as principais influências durante esse processo de criação?

Átila Santana – Tenho ouvido muito a nova música da África, em particular Cabo verde, Nigéria e Gana. Existe uma leva grande de novos artistas fantásticos que unem os recursos da música eletrônica com a sonoridade ancestral dos tambores e claves. Além disso procuro manter minha pesquisa de MPB dos anos 60/70/80 sempre ativa. Tanto nas plataformas digitais como na minha coleção de vinis, que pude voltar a escutar depois de adquirir um toca discos novo pra substituir o antigo que estava mal das pernas. Também tive oportunidade, há pouco tempo, de conhecer pessoalmente o Samy Ben Redjeb, um DJ e pesquisador responsável pelo selo Analog Africa que garimpa gravações dos ano 60/70/80 em vários países do continente africano (também na América Latina) e as lança no bandcamp, um material riquíssimo para pesquisa que estou sempre visitando. Afora isso, está sempre presente no meu dia a dia a pesquisa e audição de Reggae e Dub, desde os clássicos da ilha jamaicana até novos projetos como os Neozelandeses do Fat Freddy’s Drop que já tem uma influência de música eletrônica.

– Em tempos sem ficha técnica disponível, o disco contou com quem na produção, arranjos, ou mesmo em participações?

Átila Santana – O disco foi todo produzido por mim, desde a composição, passando pela gravação dos instrumentos e vozes até a mixagem e masterização. Mas durante quase todo o processo quis ter um “ouvido de fora” pra notar as coisas que eu estava deixando passar. Esses ouvidos foram os de um grande amigo de longa data, produtor musical, multi-instrumentista de primeira linha: Pedro Itan. A troca com ele foi fundamental para todo o disco. Queria uma pessoa que entendesse o tipo de som que eu queria fazer, entendesse o aspectos técnicos também, mas acima de tudo tivesse sensibilidade. A escolha foi certeira em todos os aspectos.

– Como o disco está sendo lançado e como encontrá-lo?

Átila Santana – O disco por enquanto está disponível exclusivamente no meu site: www.atilasantana.com. De todas as reflexões que esse momento difícil de quarentena nos fez ter, pra mim, o papel da arte ganhou um destaque fundamental. Desse juízo de valores surgiu a decisão política (e estratégia de sobrevivência) de não lançá-lo nas plataformas de streaming como é de praxe no mercado. Foi difícil fazer a coisa toda funcionar (o sistema não quer que tenhamos esse nível de independência), mas também foi extremamente recompensador e libertador.

– Gostaria que fizesse uma análise da sua evolução musical desde o início da carreira até este disco.

Átila Santana – Comecei como cantor/ baixista/ guitarrista totalmente autodidata em bandas de reggae e ska no finalzinho dos 90 início dos 2000, em Salvador. Desde lá fui fazendo um caminho de buscar aprendizado em diversas áreas da música, desde arranjo, passando por instrumento (guitarra) até técnicas de gravação de áudio e produção musical. O que me levou gradativamente a ocupar o espaço do “sideman” e até dos bastidores como nos casos em que produzo outros artistas. Outro ponto importantíssimo da minha evolução musical são os anos compondo e tocando música instrumental e que proporcionou um entendimento mais aprofundado de instrumentação. Paralelo a isso, os aprendizados com os anos no meu estúdio de gravação e as oficinas e cursos que passei a ministrar me levaram até esse momento de criação do disco que marca um retorno ao lugar central do artista e a composição com letra. Usei um pouco de cada aprendizado desses pra compor ‘Eu, todo mundo, você’

– Porque em tempos de streaming ainda lançar um álbum?

Átila Santana – Essa é uma questão importante, sempre que produzo algum artista, falo da importância atual do single. É como o mercado se move e uma forma muito interessante de se manter ativo nas redes. No meu caso acho que a escolha pelo disco se deu pelo formato de distribuição direta no meu site, quis tornar mais interessante pras pessoas colaborarem financeiramente. Então julguei o disco como melhor chamariz do que faixas avulsas. Some-se a isso fato de que todas as faixas foram compostas na mesma época e seguem uma estética sonora. Artisticamente é um disco em que as faixas dialogam entre si e contam uma história.

– Quais os planos para tornar este trabalho mais visível diante de tanta coisa sendo produzida?

Átila Santana – Acredito que o primeiro passo é acreditar na originalidade da música mesmo. Que ela vai reverberar nas pessoas. Mesmo antes da pandemia o volume de novas produções já era avassalador, muito em quantidade, mas também muito em qualidade sendo produzida. Se for pensar muito nisso não lanço nada. Meus próximos passos são singles em parcerias com alguns artistas nacionais que admiro, essa seria uma outra estratégia para conectar, arte e público. Afora isso, como disse anteriormente, meu disco também é um mote para retomar os cursos e oficinas que ministrarei agora de maneira online. Conectando as faixas do disco a temas relacionado a produção musical de baixo custo e home studio. Então pretendo unir arte e educação e seguir divulgando todo material no meu site.

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