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Discos: Marcola e a Trilha sonora para a cidade

O rap volta a ser destaque em nossos lançamentos semanais. Dessa vez, o EP ´Lírios’, de Marcola, ganha análise de Paula Carvalho, mostrando mais um nome relevante no rap baiano.

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Por Paula Carvalho*

Lançado em abril, o EP ‘Lírios’, de Marcola, aponta um caminho interessante para a cena do rap baiano. Ele, que já foi o Morcegão da Turma do Bairro (grupo, com Vagabundo Prodígio, que tem um disco de 2015) e lançou uma mixtape com Trembala do Litoral em 2016, agora parte para uma nova fase com beats de AquaHertz e lírica cética. “Teimosia a minha / Garota, eu disse que nunca mais te ligaria / E também disse que música nos salvaria / A essa altura do jogo, só dinheiro é o que nos salvaria”, como canta em Jovens Demais. Ou, numa das raras punchlines do disco, “A paz é uma tia branca velha segurando cartaz no Corredor da Vitória”.

A presença tímida de versos mais pesados é uma das particularidades do álbum – o indício do tal rumo diferente que Marcola assinala. Contra a moda das excessivas referências e dos versos “matadores”, histórias palpáveis, retratos do dia a dia e uma linguagem simples. Há uma conexão com Salvador para além da nostalgia, muito real. Seguindo a tradição de Edson Gomes, Lazzo Matumbi e Sine Calmon, para ficar em alguns exemplos, a música de Marcola tem uma potência de contato com as ruas como tem sido raro de se ouvir. Isso está em “Semop” – música e videoclipe sobre o “rapa” da capital baiana que o rapper lançou em março deste ano – e se aprofunda com o flow e as batidas próximas do reggae, as gírias mais recentes (“de quebrada, ou de quebradinha”, aliás também marca do Afrocidade) e o relato de situações cotidianas (“Que nem ela disse ao postar no Facebook: ‘Tá pedindo mais amor mas segurou a bolsa para o baleiro”).

Dilemas do rap

A liga óbvia entre as músicas é a da situação da população negra. A morte e a violência estão presentes nos amigos que “já não estão mais comigo”, nos “jovens até demais para morrer aqui” que permeiam os versos. Como símbolo, lírios – não no singular como no Cântico dos Cânticos – mas no plural, representando uma juventude negra que “aprendeu a driblar a morte” depois de nascer preta.

Os dilemas do próprio rap também aparecem no disco, e dão as pistas para uma pergunta que está implícita: se a cena baiana está tão em evidência nacionalmente e há tanta atenção para rappers da Bahia, por que não estou lá? O que precisaria fazer para estar? Não é por falta de criatividade no flow, que em nada deixa a desejar. Um dos temas que também está em jogo em ‘Lírios’ é a dinâmica do “estouro” nacional que perde conexão com o local. Como ressoa em “Ovelha Negra”, foram muitas expectativas frustradas apesar do “flow de Tio Patinhas” e os planos mudaram completamente. Em “Loteria Latina”, música em que mais se refere ao seu bairro, Itapuã, está a chave: “O mundo inteiro é a minha área, mas meu repouso é aqui

* Paula Carvalho é jornalista. Baiana, atualmente reside em São Paulo, onde atua como repórter da revista Bravo e do site SP de Música.

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