Discos: Isaura Tupiniquim e seu universo feminino caótico cyberpunk

Coreógrafa, arte educadora, pesquisadora em ciência sociais, Isaura Tupiniquim já trafegava pelo ambiente da música, mas agora estreia de fato com seu primeiro EP. ‘Isaura Tupiniquim em Púrpura Ruína’ ganha as linhas de Julli Rodrigues, que mostra as referências que serviram de base para artista baiana.

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Por Julli Rodrigues*

Antes de ler qualquer coisa sobre a multiartista e pesquisadora baiana Isaura Tupiniquim, me debrucei sobre o EP ‘Isaura Tupiniquim em Púrpura Ruína’, lançado no finalzinho de janeiro deste ano pelo selo Menasnota. Produzido pela própria artista em parceria com Heitor Dantas, o trabalho autoral se apresentou aos meus ouvidos como uma espécie de caos organizado em forma de cyberpunk.

Imediatamente, senti que Isaura habita o mesmo universo do escritor e compositor Fausto Fawcett. Não apenas pela temática, mas também pelo ar levemente sarcástico e narrativo das letras cantadas-faladas, pelo jeito natural de falar daquilo que tantos consideram tabu: o corpo, o sexo e a violência.

Nas pesquisas após o primeiro contato com a obra, soube que além do vasto currículo como atriz e bailarina, a artista foi a intérprete e performer do projeto musical “Re-montando Fawcett”, concebido por EdBrass Brasil, em 2015. Bingo. Está tudo ali. A atmosfera tipicamente fawcettiana ecoa no disco-rock “Vênus Purpurinada” e principalmente em “Golpes”, música de ambiência noise/hardcore que me fez pensar em duas faixas do álbum “Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros”, de 1987: “Tânia Miriam” e principalmente “Drops de Istambul“.

Quando Isaura canta “Corpos diluídos em sequências carnais”, é quase automática a associação mental com “Meu ego dissolvido na matéria em movimento”. Interessante saber que ela foi inspirada pela crise política vivida pelo Brasil em 2016, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Só que o universo cyberpunk de Isaura Tupiniquim agrega outras influências além das fawcettianas. O olhar da artista sobre o “profano feminino” e as violências de gênero me faz pensar muito em Rebeca Matta, mais precisamente no álbum “Garotas Boas Vão Pro Céu, Garotas Más Vão Pra Qualquer Lugar” (2000). Há, inclusive, uma vaga semelhança de sonoridade entre os dois trabalhos.

Outras referências femininas, segundo a própria artista, são Laurie Anderson e Letrux, cujo trabalho “Em noite de climão” (2017) inspirou a “Púrpura Ruína” do título. O resultado de toda essa colagem está condensado nas cinco faixas do EP, que totalizam 11 minutos. Um álbum curto, mas capaz de surpreender e cativar o ouvinte com suas texturas. Vale a pena parar um pouquinho para tentar desvendar a densidade de Isaura Tupiniquim.

* Julli Rodrigues é jornalista e pesquisadora musical. Na Rádio Metrópole, apresenta o programa Seis em Ponto e atua como repórter. Também apresenta a série mensal “A Música no Tempo” no Especial das Seis da Educadora FM, sobre o contexto da MPB entre os anos 60 e 80, e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas.

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