Disco Ian Lasserre

Discos: Ian Lasserre equilibra delicadezas e clichês em ‘Átimo’

Produzido por Sebastian Notini, o cantor e compositor baiano Ian Lasserre lança seu segundo disco, ‘Átimo’, pelo selo sueco Ajabu. 

Por Julli Rodrigues*

Lançado no último mês de abril pelo selo sueco Ajabu!, o segundo álbum de estúdio do cantor e compositor baiano Ian Lasserre é batizado por uma palavra não muito comum aos diálogos cotidianos: ‘Átimo’, que significa “instante” ou “porção mínima”, segundo o dicionário Michaelis. A proposta do disco, segundo descrição presente na plataforma Tratore, é explorar a ligação entre a imagem instantânea e o instante da vida, abordando a complexidade das relações humanas. A execução do conceito não fica tão clara, mas o que encontramos ao longo das nove faixas é um trabalho com sonoridade majoritariamente acústica e arranjos bem-acabados, sobre os quais se equilibram delicadezas, tensões e clichês.

Assim como o álbum de estreia de Lasserre, “Sonoridade Pólvora” (2017), ‘Átimo’ é produzido pelo percussionista sueco Sebastian Notini, que tem laços estreitos com a música contemporânea da Bahia. O trabalho reúne instrumentistas de destaque, a exemplo do clarinetista Ivan Sacerdote, que ganhou maior projeção após gravar um disco com Caetano Veloso. O músico está presente em duas faixas do álbum que se tornam mais atrativas aos ouvidos justamente pelos sopros: “Supernova” (Ian Lasserre/ João Mendes/Murilo Rafael) e a faixa-título (Lasserre). Ambas têm a participação de Leandro Cândido de Oliveira na flauta, e a primeira ainda conta com a tuba de Gilmar Chaves. Em “Supernova”, o criativo arranjo de Uru Pereira evoca o clima das marchas dos festivais dos anos 60.

A delicadeza permeia todo o álbum, embora haja alguns momentos densos, como se pode notar nas duas faixas que trazem participações especiais. Nelas, Lasserre reforça pontes com cantores e compositores de São Paulo, cidade onde fixou residência. Flávio Tris assina a suave canção de amor “Fica Mais Aqui”, que interpreta junto ao baiano, em voz e violão. Já François Muleka canta em “Controvérsia/Parafran” (Lasserre), faixa que descreve o conflito de comunicação de “uma real relação contemporânea”, como consta no material de divulgação do disco. Guardadas as devidas proporções, dá para traçar um paralelo lírico entre essa última faixa e “Olho Calmo”, composição da conterrânea Pitty lançada no álbum “SETEVIDAS”, de 2014. As duas músicas falam da necessidade de recuar para pensar melhor e respirar diante de uma desavença, seja em um relacionamento amoroso ou de amizade.

E já que toquei no nome da “roqueira baiana” – agora devidamente reconciliada com o termo, como visto em seu álbum mais recente, “Matriz” (2019) – vale dizer que Lasserre segue uma trilha já desbravada não apenas por ela, mas também por Teago Oliveira em seu álbum solo, “Boa Sorte” (2019): a baianidade e a saudade de casa. São três baianos radicados em São Paulo, expressando um desejo de reconexão com o lugar de origem, de formas diferentes. Ao que parece, Ian Lasserre escolheu a menos criativa. Embora tenham bons arranjos e sejam produzidas de maneira competente, as três faixas que abordam a Bahia – “Minha Bahia” (Lasserre), “Mergulho” (Lasserre/ Filipe Lorenzo/ Daniel Mã) e “Samba de Quarta-Feira” (Lasserre/ Gabriel Rosário/ Thiago Lobão) – recaem em clichês, seja no uso de expressões como “malemolência” e “besuntado de dendê” ou nas referências a simbologias de matriz africana, que soam superficiais, ainda que não tenha sido essa a intenção.

Entre acertos e pontos questionáveis, ‘Átimo’ cumpre a missão de capturar esse instante da trajetória de Ian Lasserre, embora fique devendo um pouco da execução do conceito inicial. No material de divulgação, o artista afirma que “o sentido real do álbum só veio depois de pronto e diante dos acontecimentos que estamos passando”. São compreensíveis as pontas soltas, então.

Julli Rodrigues é jornalista formada pela UFBA. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter. Apresenta a série mensal “A Música no Tempo” no Especial das Seis da Educadora FM, sobre o contexto da MPB entre os anos 60 e 80, e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas.

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