Nossos Baianos

Nossos Baianos mostram que ainda podemos ser nós mesmos

Nesta sexta-feira (25), assisti pela primeira vez o grupo Nossos Baianos, um punhado de músicos e cantores das novas gerações da música baiana reunidos para cantar só Novos Baianos. O grupo foi criado para integrar um espetáculo teatral, mas acabou virando mesmo um projeto musical e vai muito além de fazer covers. Até porque não se contentam em apresentar os hits, estavam lá todos eles, mas também músicas como “Cosmos E Damião”, “Os Pingo da Chuva”, “Só se não for Brasileiro Nessa Hora”, “Quando você Chegar”, “Eu sou o caso deles” e até “Linguagem do Alunte”.

Com Pietro Leal, Andréa Martins, Peu Tanajura, Renata Bastos, Kalu e Ricardo Caian à frente, o Nossos Baianos traz de volta não só a música daquele que foi um dos maiores grupos da música brasileira, mas a comunhão entre seus integrantes e todo astral e a possibilidade de poder falar de coisas que repetem por ai que não existem mais, que estão raras.

Não estão. Evidente, que não é em todo lugar que gritar a plenos pulmões “Não se assuste pessoa/ Se eu lhe disser que a vida é boa/ Enquanto eles se batem, dê um rolê e você vai ouvir/ Apenas quem já dizia,/ Eu não tenho nada/ Antes de você ser eu sou/ Eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés” tem sentido de verdade. Não é em qualquer ambiente que as pessoas se sentiriam realmente dessa forma, mesmo enfrentando todos os problemas, angústias e desafios do mundo “civilizado” atual.

Em “Dê um Rolê”, Galvão, que comemorou seu aniversário no show com participação emocionante de Paulinho Boca de Cantor, faz um discurso meio hippie, meio debochando da vida opressora de só trabalhar, de ganhar muita grana, de se contentar com a rotina agressiva dos nossos tempos e esquecer que apesar de tudo pode ser até bom viver. É uma das várias deixas que o Novos Baianos nos presentearam.

Não é em todo lugar hoje que expressar isso tem sentido. Na Bahia ainda tem. Arrasada por anos de desprezo de governantes, tanto dos seus próprios quanto os de esfera nacional, a Bahia é enorme, mas ainda muito pobre, violenta e com baixos índices de educação formal. Ao mesmo tempo, mostra uma riqueza imensa, falada e mostrada tantas vezes, mas que muitas vezes parece que esquecemos. Um jeito de ser, que ainda mantém um quê de descompromisso com uma lógica imposta.

A Bahia traz consigo algumas complexidades que muitas vezes fazem não percebermos quem somos. O novos Nossos Baianos é uma daquelas fagulhas que nos faz trazer de volta e entender melhor quem somos. Uma entre várias, muitas outras, aparentemente, cada vez mais jorradas em nossa cara. Na noite de ontem pude ver isso também em outro exemplo grandioso, assistindo pela primeira vez um espetáculo do Balé Folclórico da Bahia, que nos releva outras coisas. Eles estão comemorando 25 anos de carreira, com apresentações seguidas e muito elogiadas no em lugares da Europa, África e Estados Unidos. Nesse tempo todo, eu nunca tinha visto, mesmo eles tendo apresentações frequentes em minha própria cidade.

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“Herança Sagrada – A Corte de Oxalá” conta a seu modo a presença negra na Bahia, com cânticos sagrados e dança do Candomblé, mostrando a celebração, a festa e um desfile da beleza dos orixás. O espetáculo, que está rodando o país num projeto através do Faz Cultura e d’O Boticário, tem ainda referências a algumas das manifestações populares baianas, como a puxada de rede, abençoada por Iemanjá, o samba de roda, a capoeira e as festas baianas.

Imagens, ritmos, danças, cores e uma vibração que costumamos caracterizar como tipicamente baianos. Para alguns pode soar apenas como clichês repetidos, uma baianidade forçada, vendida para turistas. Numa cidade negra em sua essência, onde até o mais fervoroso católico aceita e se orgulha de seu orixá, onde ir numa festa popular, jogar capoeira ou sambar até o chão não são tradição folclórica, curiosidade antropológica ou programa cult, percebemos que não. Não nos rendemos facilmente. Ainda somos tudo isso.

Se vida de trabalho duro também nos oprime, se ganhar muita grana também é o objetivo por aqui, se a rotina agressiva nos consome, nos absorve e nos faz mais infelizes, esquecer de tudo isso e saber viver e dar um rolê ainda é algo que a gente por aqui não perdeu.

Vivemos o dilema de querer ser o que não somos, de se tornar o que a lógica contemporânea nos empurra e tenta a todo mundo decretar como o caminho, o único. Vivemos tentando ultrapassar nossos problemas utilizando uma referência externa, que não é a nossa, que por mais que tentemos não vamos conseguir que seja, para o bem e para o mal, porque não somos isso. A gente precisa se entender melhor, se conhecer melhor, só assim vamos saber quem somos e valorizar o que temos de fato e como podemos melhorar.

Somos toda essa baianidade negra, esse mistura de coisas, cores, ritmos, somos isso e não podemos escapar. Essa coisa de ser amigo de qualquer um, de perguntar o nome do garçom, de conhecer a secretária pelo nome e saber que ela tem três filhas adolescentes, bater papo com o porteiro sobre política, futebol ou o medo, bater baba com o vizinho, seja de onde ele for. De ser mais amigo do que ter relação profissional. Não dá para negar isso na gente.

Muitas vezes nos desprezamos por olhar para o outro ou como o outro, sem ao menos nos conhecer e saber quem somos. Sem ao menos tentar entender o que está a nossa volta e o que nos carrega diariamente, o que está entranhado em nossa carne, o que corre no sangue e não é vermelho.

O que o Nossos Baianos, o Balé Folclórico, mas também a Orkestra Rumpilezz, o cinema de Cláudio Marques, de João Mattos, a música de Ronei Jorge, o Baiana System, o teatro de Gil Vicente, Cascadura, Vivendo do Ócio, os grafites de Limpo, Dimak e Fael Primeiro, OQuadro, Riachão, Maglore, Sanbone Orquestra, A.Ma.Ssa., Opanijé, Ministereo Público, Dois em Um, Ilê Aiyê, tantos e tantos outros artistas e não artistas, tentam nos mostrar que temos nossas visões diversas do mundo. Nos ajudam a mostrar quem somos, com nossas multiplicidades, peculiaridades e diferenças. Fazem a gente perceber que podemos nos conhecer melhor. Acendem a fagulha e nos deixam atentos de que não precisamos nos contentar, podemos ser nós mesmos.

Para quem gosta de música sem preconceitos.

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